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quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Astrofotografia e o Caixão de Newton



A minha mulher não é exatamente uma fã da Astronomia. Na verdade seu amor pelo meu hobby diminui na razão inversa do tamanho do telescópio que eu utilizo. Ex; ela até acha viável dividir o espaço do veiculo com meu refrator 70 mm. Suporta meus binóculos. Porém sua relação com meu 150 mm(Newton) é dominada por um único desejo: guarda-lo para sempre em seu “case” e retirar o mesmo da sala de casa.
Com a chegada do ano novo e o convite de uma amiga para subirmos a Serra eu rapidamente faço meus planos. Em todos eles o “Newton” iria junto com a família. O mesmo é um pouco maior que a mala de meu carro (um Peugeot 206). Isto implicaria em que minha esposa e minha filha dividiriam o banco de trás do veiculo enquanto o telescópio iria no banco da frente. Este sistema rendeu ao Newton o apelido de “Segunda”.  Segunda esposa.
Evidentemente que o conflito estabelece-se rapidamente. Que era um absurdo aquilo e que eu deveria levar o telescópio menor e isso e aquilo. Finalmente ela achou que jogaria uma pá de cal em meu projeto astronômico. A dona da casa iria conosco.
Mas eu, incansável, parti para o plano B. O telescópio vai amarrado em cima do carro. Com o auxilio de um rack de fita e alguns pedaços de papelão eu prenderia o meu “case” no teto do Veiculo.
O “case” talvez seja certo exagero. “O caixão”, como rapidamente batizado por minha querida mulher, é um projeto caseiro. Eu herdara uma placa de compensado naval de um reality show indiano que eu tinha feito.  Depois de serrar e meter alguns pregos na estrutura eu fiz um forro com algumas placas de isopor que eu tinha herdado de outro filme e voilá: um “case” para o Newton...
Com “o caixão” amarrado sobre o veiculo, saímos rumo à Itaipava no fim da tarde do dia 28.
Apesar da descrença feminina o telescópio chega sem nenhum problema a seu destino.
Na primeira noite o tempo ia entre meio nublado e muito nublado. A lua muito cheia domina a cena e as aventuras telescópicas se resumem a uma rápida apresentação da Lua para as meninas. Júpiter e suas luas também fazem uma rápida visita a ocular. Mas nada demais. Começo a ouvir os gracejos sobre o enorme esforço envolvido no transporte do telescópio e os resultados obtidos. Não bastasse isso eu montara o dito cujo sobre um deck de madeira que basta alguém se levantar que a imagem junto a ocular batia algo como 5 na escala Richter.  Desta forma fiz alguma fotos de caráter "mais artístico" de Selene. Elas davam a certeza de que parecia dia... Ainda forcei uma barra e fiz uma foto com foco direto


Eu trouxera também meu 15X70. E na noite seguinte foi só ele que andou pelas minhas mãos. Mas o tempo estava péssimo e choveu barbaramente. O Slogan da noite era “Calamidade na Serra”. E assim faltou luz a noite toda e a astronomia perdeu seu rumo em uma garrafa de Vodka.
Dia 30 a noite toma mais ou menos a mesma forma e desta vez a operação da churrasqueira e uma coleção de cervejas também limitaram as atividades de Urânia a rápidas visitas a lua com o 15X70...
Dia 31 e o tempo limpou. Mas aí somente o ensaio de se montar o telescópio levou a ameaças de divórcio e outros impropérios por parte da D. Encrenca.  
Então o 15x70 pagou sua passagem. Sentado em uma chaise longue fiz um belo tour pelo céu de réveillon e visitei vários DSO´S.
O verão começou e logo no começo da noite Orion comanda a festa.
As Hyades se apresentam em alto estilo. E no mesmo passeio o binóculo apresenta e resolve discretamente e sem alarde NGC 1647.
Depois disto eu acompanho o nascer das Plêiades por trás de uma arvore. As Plêiades, Hyades, M44, Coma Berenice (Mel 111) são aglomerados que parecem ter sido feitos pensando no meu 15x70(e não ao contrario...).
Depois um tour por Orion.
Eu tinha lido sobre os Objetos inexistentes do Catalogo NGC que se escondem em Orion.
Walter Houston os destacou em sua coluna Deep Sky Wonders de dezembro de 1975.
Estes objetos são frutos de um “erro de escala”.  Houston destaca uma espécie de paradoxo no que se refere a grandes e esparsos aglomerados abertos descritos pelos Herschel. Dois amadores americanos (Pat Brennan e Dave Ambrosi) relataram ter observado diversos destes objetos que eram considerados não existentes na versão revisada do New General Catalog (nascido do General Catalog dos Herschel).
A confusão se inicia porque os autores do RNGC (Revised New General Catalog), Jack Sulentick e W. Tift determinara com "não existentes" todos os aglomerado do NGC que não fossem possíveis de serem identificados a partir das placas fotográficas do levantamento do céu realizado pelo Observatório Palomar (Palomar Sky Survey).
Scooty rapidamente matou a charada. A escala do levantamento bem como a magnitude limite do mesmo parece que “cancelam” aglomerados abertos esparsos.
Eu, claro, não queria perder a chance de checar um destes segredinhos.  E assim com uma rápida escaneada junto a Betelgeuse eu me deparo com o discreto, porém existente, NGC 2180. Ele esta vivo e bulindo apesar do que dizem Sulentick e Tift.
O uso de binóculos é ótimo porque me permite avistar um grande numero de DSO`s enquanto todos tomam banho e se arruma para a noitada de fim de Ano.
O 15x70 é um senhor binóculo para Deep Sky. Para Observações planetárias e lunares eu prefiro mais magnificação e o uso de um tripé se faz muito útil. Mas para DSO´S ele faz bonito.  M78 se apresenta facilmente. Eu creio que nunca a tinha avistado de binóculo.
Sigo o passeio por Orion e passeio pelo cinturão até chegar a M42. Passeando por todos os abertos que se encontram pelo caminho (NGC 1981). Chego a desconfiar da porção Leste do Loop de Barnard. Enquanto a lua não sai o céu se apresenta em excelentes condições de Seeing de transparência.  Percebo três estrelas do Trapézio...
Depois disto sigo rumo ao sul e M46, M47, M41 Pi Puppis, Tau Canis, O Collinder´s junto à cauda do Cão Maior e toda a coleção de aglomerados que habitam a finada constelação de Argo se apresentam. Antes de voltar a me dedicar aos encantos de Baco eu ainda visito as Plêiades do Sul e a Nebulosa de Carina.  
Ao longo da noite eu ainda dava uma ou outra escaneada pelo céu. A visita a serra começou a dar frutos... Os vizinhos dão um show de fogos e me parece que isto seria o mais perto de fotos de DSO`s que eu iria chegar



Mas vem o primeiro dia do ano.
Acordo bem tarde e depois de um belo café eu resolvo que finalmente chegará a hora de fazer algumas fotos “de verdade”. E assim primeiro colimo o telescópio com bastante cuidado. O passeio pelo teto do carro e as estradas do RJ haviam feito um belo serviço e ele se encontrava totalmente fora do esquadro.
Depois de colimar o Newton (estou ficando bom nisto, não demorou mais que 15 min...) eu monto todo o circo. Os motores são instalados. Baterias recarregadas. Os cartões formatados e o Sky Atlas aberto sobre a mesa da varanda. O telescópio desta vez estava montando junto ao estacionamento da casa e assim em chão bem sólido. E longe das luzes...
A ideia, como me ocorrera durante o passeio da véspera, seria o que eu chamei de “Walking the dog”. Eu iria tentar fotografar diversos DSO`s próximos a Cão Maior.
Com o alinhamento polar feito com auxilio de uma bussola eu faço uma foto de Canopus para confirmar a dignidade do mesmo.
O Alinhamento esta melhor que eu esperava. Afinal nenhum ajuste ou drift foi feito. E assim ele se apresentava como sempre. Meio mais ou menos...  
Com a câmera regulada para 1600 ISO e as exposições em 15 seg. eu começo os trabalhos com um alvo modesto.
Pi Puppis ou Cr 135
Pi Puppis é facilmente visível ao sul da cauda do Cão.   Uma estrela avermelhada. Porém cercada de outras estrelas e com uma pequena dupla fazendo par. O conjunto forma um belo triangulo que me recorda uma espécie de portal cósmico. O Aglomerado ou asterismo (é alvo de discussão se trata-se de um alinhamento casual ou não) é um bom começo. E finalmente o Newton se levanta do “caixão” e justifica seu passeio a serra.



M 41

Na véspera eu tinha percebido que M 41 tinha se apresentado em excelentes condições e sido uma das estrelas da noite. Com ele já alto achei que seria um alvo para astrofotografia. E ele foi. Curiosamente acabei sendo enganado por este e acabei o fotografando duas vezes na mesma noite. M 41 dispensa apresentações e é possivelmente o objeto mais tênue conhecido na antiguidade clássica. Olhos treinados conseguem perceber uma leve nebulosidade na região. Este apresenta uma estrela alaranjada em sua região central que se destaca entre suas estrelas brancas.
A foto dá certo e é bem representativa do que você deve esperar ver em um telescópio de 150 mm com um aumento pequeno.
Eu estou sempre na caça das nebulosas descritas no Catalogo Lacaille . Sua maioria se revelou aglomerados abertos (que em seus modestos telescópios se apresentavam como nebulosas) . Como pretendo fotografar todo seu catalogo eu ,sempre que posso, tento fazer fotos dos objetos deste belo e antigo catalogo (sec. XVIII).


NGC 2547

Logo NGC 2547 se apresenta no sensor de minha câmera. É um aglomerado aberto sem muita concentração. Ele é menor que outros na região, mas não deixa de ter seus atrativos. É facilmente percebido pela minha buscadora e depois de pouco mais de uma dezena de fotos ele é deixado para lá...


NGC2362- Tau Canis Majoris


Agora um de meus favoritos e um alvo que nunca fotografei. De volta a cauda do Cão eu localizo Wezen (Delta C maj.) facilmente. Desta se repara uma estrutura em forma de escudo e logo depois se repara Tau Canis Majoris. Na buscadora ele é uma estrela como qualquer outra. Mas como podemos ver na foto se trata de um aglomerado bem concentrado e com uma estrela dominante (no caso Tau...). Como Tau é bem brilhante o foco é fácil para esta belezinha e com isto fiz o que considero a melhor foto desta missão. O aglomerado de Tau do Cão maior é também conhecido como NGC 2362.   Forma com M 41 os dois aglomerados mais simpáticos de Canis Majoris. De uma olhada aqui...
Começa a ficar tarde e como o transporte do Newton é uma operação complicada eu decreto que farei somente mais uma foto. A bola da vez é M47. Distraído e sem um prisma eretor eu me enrolo e acabo com M41 de novo na buscadora. Tiro uma, duas, três fotos. E reparo que M47 é igualzinho a M41.


M 47

Depois de uma rápida correção estou fotografando M47. Ele possui quatro estrelas que forma uma espécie de cruzeiro. É um belo final para noite. O foco ficou um pouco a desejar. Eu já estava perdendo a vista.
Nada como carregar seu telescópio aonde quer que você vá. Afinal o melhor telescópio é aquele que você usa.

Acordo de manhã e volto para o Rio de Janeiro. Com o “Caixão de Newton” no teto e com a esposa dando esporro porque esta atrasada para ir para o trabalho. Eu deveria ter ido dormir cedo em vez de ficar fotografando Deep Sky  e bla,bla,bla.
Entra ano e sai ano e certas coisas nunca mudam... 

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