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quinta-feira, 6 de agosto de 2015

M 17- A Nebulosa do Cisne, Astrofotografia e a Cozinha Francesa

       

        Não faz muito tempo vi um inofensivo filme onde um casal de mestres cucas vivem um romance. Um daqueles filmes "agua com açúcar" que passa na sessão da tarde e que costumo ver com minha filha .  Em um dado momento um deles pergunta ao outro :
            -Você sabe quais são os três maiores segredos da cozinha francesa?
            -Sim. A manteiga , a manteiga e a manteiga.
            Pena que astro fotografia seja uma arte um pouco mais complexa que a tão falada cozinha francesa ( perdi os leitores "gourmets") mas sua lista de segredos em bem mais longa.
            Assim como na cozinha os ingredientes são fundamentais e assim sua montagem e seu telescópio são os dois  mais importantes segredos. A câmera fotográfica idem. E evidentemente os que saem mais caro.  É claro que se lhe derem limões você vai conseguir fazer uma limonada. Mas não espere realizar fotos sensacionais de nebulosas planetárias e tênues nebulosas  utilizando uma cabeça equatorial EQ 1 e uma câmera "saboneteira".  Recentemente houve um caso  de um rapaz realizando fotos incríveis com uma cabeça EQ 1 e um pequeno refletor newtoniano e divulgando "seu trabalho" nas redes sociais .   Foi algo triste de se ver e uma fraude obvia. Milagres não acontecem e a ótica é um ramo da fisica que respeita leis bem conhecidas. Neste link você pode encontrar um pequeno tratado sobre o assunto escrito pelo cidadão que inventou o telescópio newtoniano https://archive.org/details/Optics_28 . Quem adivinhar o nome dele leva uma lata de apresuntada...
            Outro segredo é o alinhamento polar que você vai realizar. É uma técnica fundamental e que você deve desenvolver. Existem diversas formas para tal  e o método do drift apesar de muito chato é bastante eficiente. Eu utilizo um método alternativo a este que pela minha experiência vem se confirmando  também bastante eficiente e muito menos aborrecido... Veja ele aqui.
               Mas assim como a gastronomia gaulesa existem três grandes segredos que nunca podem ser esquecidos. E estes são :  o foco, o foco e o foco.  Como dito por Grant Privett em seu  Creating and Enhacing Digital Astro  Images: "O foco do instrumento que você estiver usando tem que ser perfeito. Não quase ou bem bom mas perfeito. Muitos observadores acham que demora mais para se colocar um objeto em foco do que para localizar um objeto." Isto é especialmente verdade se você utiliza uma montagem com Go-To.  Eu devo me acostumar a gastar mais tempo fazendo foco de minhas fotos. E desta forma não ser obrigado a me conformar com fotos quase boas ou me ver obrigado a revisitar o objeto em uma outra noite.  Existem algumas ferramentas para colaborar no foco. Mascara como a de Bhatinov podem ajudar . Contar o maior numero possíveis de estrelas tênues no quadro também. Mas a única forma que vem funcionando comigo é realizar diversas exposições teste até que consiga o "sweet spot" no focalizador. Na verdade preciso comprar um focalizador mais preciso...  Um ingrediente que não devemos esquecer.
            Na semana de estréia de Mme. Herschel ( uma montagem equatorial HEQ5 Pro da Skywatcher) e com Sagitário  quase no zênite eu não poderia deixar de fotografar uma vasta coleção de objetos do catalogo Messier que abundam na constelação. Na verdade é nela que existe a maior concentração de DSO´s do dito catalogo.  Não é uma coincidência. O arqueiro mítico se ergue na direção do centro galáctico aonde residem as maiores quantidades de estrelas, gás e poeira no nosso latifúndio do universo.
            Com a cabeça alinhada , o go-to cravando tudo o que peço quase no centro de minha ocular de 25 mm  e a minha câmera sendo operada de maneira remota através do Canon Utilities instalado em meu lap top eu não poderia perder a oportunidade de registrar  nebulosa favorita dos verões ( residente nos EUA...)  de Philip S. Harrington , mais conhecido como Phil Harrigton e autor da prestigiada e agora defunta coluna "Binocular Universe" na Astronomy Magazine.  Novamente não é uma coincidência já que com a exceção de M42 ( A Grande Nebulosa de Orion)  M 17 é a nebulosa mais brilhante ao alcance do infelizes astrônomos que residem em latitudes boreais mais elevadas. 
            Programo o "Utilities" para realizar 50 exposições de 30 segundos e vejo a cabeça se dirigindo para M17 .
            Primeiro a namoro um pouco através de minha ocular de 25 mm  e assim com um aumento de 45 X.
             A nebulosa possui vários apelidos. A Nebulosa do Cisne, A Nebulosa Omega ou ainda a Nebulosa da Ferradura. Se considerarmos ela como um Cisne ele deve estar nadando já que não   percebo nem suas asas ou patas.
            Já observei com os mais diversos aparelhos. Em noites escuras em locais escuros ela é obvia a olho nu e mais ainda junto a buscadoras.  Com meu binóculo 10X50 consigo facilmente perceber uma barra de luz orientada mais ou menos no sentido leste-oeste. Com meu 15X70 um pequeno anzol surge junto ao fim desta barra.  Galileu ( meu refrator de 70 mm) com 45 vezes revela mais detalhes e o cisne é bastante obvio. Ou um numero 2 escrito por uma criança... O Newton ( meu refletor e 150 mm) revela que o cisne é também um  arco semi circular  de luz que lembram tanto a letra grega Omega W  como a uma ferradura.  Com o tempo e com mais aumento detalhes começam a surgir especialmente ao longo da barra mais luminosa. Reza a lenda que um filtro O-III vai ressaltar muitos  detalhes desta intrincada nuvem de gás inter estelar.
                Apesar de M17 ser uma das entradas mais famosas do Catalogo Messier ele chegou atrasado.  O astrônomo suíço Phillipe Loys de Cheseaux "descobriu" M17 entre 1745-46. Messier a redescobriu de forma independente em 3 de junho de 1764. Há controvérsias sobre a data da descoberta de Cheseaux. Ha lendas sobre a data da observação . Segundo Phil Harrigton em seu " Star Watch" Cheseaux teria chegado apenas poucos meses antes de Messier até ela . Na primavera de 1764.  Mas a história, embora romântica, é falsa. Cheseaux morreu em  1751.
                Algumas observações históricas de M 17 são bastante esclarecedoras e interessantes. Em primeiro lugar a de seu descobridor.  Cheseaux escreveu no que era a vigésima entrada de seu catalogo ( De Ch. No. 20): " Finalmente , outra nébula, que nunca foi observada. Possui uma forma completamente diferente das outras. Tem a forma perfeita de um raio ou da cauda de um cometa com 7´de comprimento e 2 de espessura; seus lados são exatamentes paralelos e bem terminados se percebe seus dois finais. Seu centro é mais esbranquiçado que as bordas; Eu determinei que seu RA para este ano como 271g 32´35´´ e sua declinação sul de 16g 15´6´´ Seu angulo tem 50 graus com o meridiano"
                A descrição que Messier apresenta  no Memoirs d´Academie para 1771 (  o primeiro Catalogo Messier...) : "Na mesma noite (Junho 3 para 4 .1764) descobri a pouca distancia do aglomerado de estrelas que acabei de citar , um trem de luz com cinco ou seis minutos de arco, com a forma de haste e com quase o mesmo formato que existe no Cinto de Andrômeda ( M31) ; mas de uma luz bem tênue, contento nenhuma estrela; alguém pode ver duas delas bem próximas que são telescópicas e posicionadas paralelamente ao equador: em um bom céu percebo muito bem a nébula com um refrator ( Não acromático) comum de três pés e meio. Determinei sua posição de RA 271o 45´ 48´ e sua declinação de 16o 14´44´´ sul.
                 A primeira descrição associando M 17 com a letra Omega W  foi realizada por John Herschel , o filho de William Herschel, descobridor de Urano. Ele mesmo um grande descobridor dos céus austrais. " 6 de agosto ,1823 - Uma grande e extensa nebula Sua forma é a da letra grega Omega com sua base esquerda virada para cima. A parte curva ( ou ferradura) é bem F ( ?) e possui muitas estrelas . A linha de base precedente é dificilmente visível. A seguinte , que é o ramo principal, ocupa metade do campo (7 1/2). Sual luz não é homogênea    mas em nós. Forte gradiente".
            M17 é um DSO belíssimo e cantado em prosa e verso...
LocalizarM17 é bastante simples partindo-se de Kaus Borealis no topo do asterismo do Bule. M 25 é um aberto facilmente localizado pela buscadora e depois é só seguir rumo norte. Em locais escuros M17 será uma claridade evidente na Via Lactea. 

            Possui ainda grande interesse cosmológico . M 17 é uma brilhante nuvem de hidrogênio ionizado onde há matéria suficiente para criar cerca de 1000 estrelas com a massa de nosso sol. Daqui alguns milhões de anos irá  tornar um impressionante aglomerado aberto e que vai dispersar a nebulosidade restante.  A barra principal e facilmente percebida se estende  por 15 anos luz. Mas o conjunto da obra se espalha por 40 anos luz. Algo como 379 trilhões de kilometros. Antes que eu esqueça: Se encontra a 5000 anos luz de nós e sua magnitude é de 6.0.
            Com tanta história eu estava ansioso para capturar minhas primeiras imagens de M17. Um erro.  Com tudo certo e tendo observado o cisne por bastante tempo eu decidi instalar a câmera em foco direto. Feito isto ajustei o foco da melhor forma possível e tirei uma primeira foto de teste . O foco ficou ruim ;Mais uma . E outra e outra e outra. Me dei por satisfeito. Ansioso...  Foi um erro.
            Com 25 minutos de exposição "levemente" fora de foco eu chego até a hora do processamento da imagem. Pois é.  Foco quase bom não serve...
            O Processamento das suas imagens astronômica é mais complicada ainda que a captura do material.  Possui mais segredos que  a gastronomia  baiana...
            Capturo mais 40 dark frames ( nunca usei tantos darks em uma captura) para juntar tudo no   Deep Sky Stacker , um programa que " empilha" a informação contida em suas fotos e as alinha ( quase sempre...)  . Sempre chamado de DSS.
            Por alguma razão , quando suas capturas ficam quase boa , elas podem  chegar a uma "Catastrofe Binária". Esta licença poética se aplica quando o todo o processo de integração das imagens chega a resultados  "artísticos " dignos de estarem no subsolo do Museu Orangerie.
            Com 50 Light frames ( fotos de m 17 propriamente dita) , 40 darks frames . Só faltaria capturar alguns flats. Mas isto ficaria para outro dia. Achava de qualquer forma que com tanto material estava fadado ao sucesso. Já havia processado algumas fotos da temporada e tudo corria bem. M 22 com um foco menos que perfeito tinha ficado bem razoave. A qualidade do acompanhamento com a chegada de Mme. Herschel ( uma cabeça equatorial HEQ 5 Pro)  melhorou muito . Me  deixou muito seguro.
            Finalmente o processamento termina. E voilá: Catástrofe Binaria.

50 expX 30 seg +40 darks ASA 3200 - 3 X drizzle no DSS.


Mesmo frames - Sem Drizzle.

            Tento mudar parametros de integração  e todos os truques que conheço no DSS. Os resultados acima falam por si.

            Um dos segredos  mais baixos da astrofografia , algo como colocar um monte de  bicarbonato no arroz , é que se tudo deu errado você deve seguir o conselho escrito na Enciclopédia Galáctica. "Não entre em pânico", E recorra ao Rot n Stack.
            O Rot n Stack é a versão mais tosca do DSS. Logo de cara você vai ter que marcar manualmente dois pontos de alinhamento para cada uma das fotos capturada. Com 50 fotos é esforça repetitivo na certa... depois ele vai aplicar um dark frame que você vai oferecer. Um Só . E tem que ser em formato PNG. Mas ele vai empilhar suas fotos . E apresentará quatro resultados para você. Um mais brilhante e com bastante ruido. ( Modo Max) . Outro que é bastante semelhante ao que se observa a olho nú e não muito diferente de uma captura de apenas um frame (Modo  Mean) e uma mais escuro ( Modo Min). De brinde ele fabrica uma "Catástrofe Binaria" que pode ser que funcione (na maior parte das vezes não funciona) ( Modo sort) . Creio que por obra do acaso e por seguir os conselhos da Enciclopaedia Galactica  um crop do Modo Sort do Rot n Stack é a foto que abre este post... 
            
Modo Mean do Rot n Stack




            Felizmente em mais de 20 diferentes DSO´s  fotografados durante ultima semana de julho  apenas dois chegaram a " Catástrofes Binária". Curiosamente de categorias de DSO bem diferentes. Ambos com um foco un pouco mais  equivocado...  Não sei a que mais atribuir a catástrofe (talvez um pouco a colimação...).  Mesmo alguns objetos com um foco um pouco menos que perfeito foram integrados de forma normal no DSS.
O processamento das fotos é um outro segredo. Acima um exemplo do que não deve ser feito. Batizei a foto de "O Cisne Manco"..,

              Porém já sei quais são os três segredos da astro fotografia que vou sempre lembrar: 
              - O foco , o foco e o foco. 




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