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segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

M 65 e M 66: Duas Galaxias, um Erro e o Cometa de 1773

              


                M65 e M66 são duas galaxias e um equivoco histórico reunidos no mesmo lugar.  Em um tempo que temos acesso a informação de forma quase instantânea é sempre importante lembrar que esta nem sempre é confiável. Em um mundo onde qualquer garoto com nível médio incompleto e querendo passar no ENEM pode se  intitular com divulgador científico e cientista  é importante checar suas fontes.
                Desta forma qual foi a minha surpresa quando localizei um equivoco que se perpetuou durante mais de um século e que tem em sua raiz um cientista e divulgador de um tempo que tais títulos eram para poucos e bons...
                Recentemente falei por aqui da grande carência de guias devotados a astronomia observacional na língua portuguesa e abaixo do Equador em geral.  Com muitas poucas exceções não ha uma literatura que apresente os céus e suas histórias de uma forma interessante e honesta  ao mesmo tempo.  A ciência se encastela em redutos acadêmicos e não  se populariza.  Quando o faz é geralmente  por flanelinhas de noticias cientificas sem compromisso ou embasamento ... Se a farinha é pouca meu pirão primeiro.
                Ainda no século XIX a astronomia já possuía autores devotados a divulgação desta ao publico leigo. Serviss com seu "Astronomy with an Opera Glass" foi uma espécie de Carl Sagan sendo um sucesso editorial.  O patrono destes autores é provavelmente o Admiral Smyth . Com seu "Cycles of Celestial Objects" ele "cria " o formato do que hoje podemos chamar de  "manual do astrônomo amador moderno". Ele vai englobar  a história e evolução da ciência, o equipamento utilizado, as técnicas e os Objetos a serem observados.  Em seu "Cycles" ele apresenta o Bedford Catalog que será o campo de provas onde diversos futuros astrônomos irão se provar e conhecer os céus. A obra é até hoje uma referencia e suas descrições de DSO´s são verdadeiras obras de arte.  
                É no volume 2 ( que inclui o Catalogo Bedford) que nasce a confusão sobre a  autoria da descoberta de M65  e M66.
                Recentemente fotografei a dupla de galaxias que juntamente com Ngc 3628 formam o Tripleto de Leão. 
                Como geralmente faço depois de observar gosto de partir em busca de mais dados sobre as vitimas da noite. Quando estas se tratam de DSO´s do aglomerado Messier  eu possuo dois livros que são sempre os primeiros a serem visitados . Assim escapo da "exagerada" e nem sempre confiável pesquisa do Google.  São eles o " Deep Sky Companions: The Messier Objects" do O´Meara e o " Skywatch" do Phil Harrington. Outro que gosto muito é o ""Burnham´s Celestial Handbook". Todos eles habitam minha estante e não o HD... 

                O Harrington me diz que para localizar M 66 e M65  devo localizar o triangulo que marca os quartos traseiros da fera. Imagine uma linha ligando Zosma a Chertan e  continue rumo sul em busca de uma linha com três estrelas.Todas elas estarão acima de 7a magnitude e serão percebidas com qualquer buscadora óptica .Dai utilize a sua maior ocular  e dando "um passo" rumo ao leste você chegara ao seu destino.  
                Como Newton ( um Refletor de 150 mm f8) eu primeiramente percebi os núcleos das duas galaxias de uma forma estelar. Com visão periférica percebo uma tênue nebulosidade ao redor de ambas. Apesar de M 66 ser considerada "mais fácil" de ser percebida eu percebi primeiro alguma estrutura em M65.  M66 se apresente de "cara" para nós. Já M 65 mais de perfil... 

2X Drizzle 

                Depois disto vou consultar o O´Meara  e este me "garante " que ambas as galaxias foram registradas primeiramente por Méchain.  Que as teria indicado para Messier em 1780.
                É aí que a história começa  a ficar nebulosa ( eu sei que o trocadilho é de doer...) .
                 O Tripleto é conhecido também como o Grupo de M 66  e em ambas apresentações no Deep Sky Companion a descoberta tanto de M66 como de M65 é atribuída a Méchain em 1780. Estranhamente ,em um primeiro momento, nem dia nem mês são apresentados.
                Para complicar mais ainda na apresentação feita por Messier de M 65  no Coinossance diz simplesmente : " (Observada em 1 de Março de 1780)  Nebulosa descoberta em Leo. É bem tênue e não contém estrelas."

M 65

                Para tornar as coisas ainda mais confusas a apresentação (descrita no Deep Sky Companion  teoricamente como uma transcrição da  feita pelo próprio Messier) de M 66 nos diz o seguinte: " (observada em 1 de Março de 1780) Nebulosa descoberta em Leo; bem tênue bem próxima da anterior ( M 65) . Ambas aparecem n mesmo campo telescópico. O cometa observado 1773 e 1774 passou entre estas duas nebulosas nos dias 1 e 2 de novembro de 1773. Messier, sem nenhuma duvida, não as viu devido a luz do cometa."
                A frase final da apresentação deixou uma duvida no ar. Sofreria Messier da Síndrome de César ( Júlio César tinha o habito de falar de si mesmo na terceira pessoa) ou seria o verbete obra de Mechain? Ou ainda um adendo do próprio O´Meara?
                A fim de aprofundar as investigações resolvo partir para fontes na web. É importante lembrar que apesar do mar de desinformação que existe  na internet existem trabalhos sérios .  O site da SEDS ( leia-se Hartmut Frommert) é um belíssimo exemplo. especialmente quando se fala em Messier
                Frommert nos explica que M65 e 66  são uma descoberta original de Messier e que o erro  se dá na obra magna do Admiral Smyth , o "Cycles of Celestial Objects", quando ele provavelmente devido a uma confusão devido a "Síndrome de César " de Messier atribui a descoberta da dupla a  Mechain. O erro encontrou eco no trabalho de  Kenneth Glyn Jones em algum momento nos anos 60 e com isto se perpetuou em outros guias mais modernos.  Smyth  fala categoricamente em seu texto que elas foram apontadas por Mechain a Messier em 1780 e pareceram tênues e enevoadas para ele ( pagina 249 do Cycles...) .

M 66

                Frommert nos explica que Messier jamais disse que estas lhe foram indicadas por Mechain e que ele sempre deu créditos a seus colaboradores. O M do catalogo Messier é bem honesto com Mechain ( que realmente descobriu diversas das entradas no catalogo e levou crédito por isto).
                Solucionado o mistério a história seguiu seu rumo e ambas as nebulosas são descritas e observadas por William Herschel e posteriormente por seu filho que deixam belas descrições destas. Existe uma carta entre Herschel filho e Herschel pai apresentada no "Cycles" que demonstra claramente como ainda eram desconhecidas a estrutura e  a natureza das galaxias nestes tempos.   As observações históricas de M 65 e M 66 podem ser encontradas em :
                A distancia da dupla é também controversa . Varia entre 21 e 35 milhões de anos luz.  as mais recentes medições  se inclinam mais para os valores superiores... O tripleto de Leo forma um grupo maior junto com o grupo de M 96 também em Leo.

                   Arp inclui o grupo em seu "Atlas de Galaxias Peculiares" . A Interação gravitacional no grupo é claramente percebida no " esquadro" de M 66 e ficou bem evidente nas imagens obtidas

                As imagens feitas aqui são resultado de uma exposição somada de 34 minutos . São 68 exposições de 30 segundos   ASA 3200 realizadas com um refletor de 150 mm f8 montado sobre uma cabeça equatorial HEQ 5 pro.  A câmera utiliza é uma Canon T3 sem modificação alguma.
                As imagens foram "empilhadas" no Deep Sky Stacker e foi utilizado o Método HDR para os light frames. Foram utilizados apenas 16 dark frmes . Nem flat nem bias frames foram realizados.   Utilizei o drizzle em algumas das imagens. 



                M 66 e M 65  são belos alvos galácticos para a temporada de outono que se aproxima. Infelizmente não consegui enquadrar  Ngc 3628 que reside um pouco mais ao norte.  Algumas das galaxias do  Index catalog ( IC) chegam a se apresentar como fontes estelares ( seus núcleos) . Mas não fazem parte do grupo e são bem mais distantes e de magnitude inferior a 12...

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