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terça-feira, 19 de abril de 2016

Ngc 4833 : A Mosca, O Bode de Dunlop e a Bandeirada de Lacaille

                  

                     Quando me iniciei nas artes de ver o céu descobri uma figura histórica notável e que apesar de seu papel fundamental na construção do céu que paira sobre nossas cabeças ao sul  do equador  é praticamente desconhecida dos astrônomos amadores na Terra Brasillis.  Nicholas Louis de Lacaille , o Abbe Lacaille. Este cidadão não só criou toda uma família de constelações bem dentro do espirito de sua época ( todas possuem nome de instrumentos científicos) como deixou o planisfério que hoje utilizamos. Não bastando isto ele registrou as mais proeminentes nebulosas do céu austral.  Em seu " Sobre as Estrelas Nebulosas do Céu Austral" ( Sur les Étoiles Nébuleuses du Ciel Austral) de 1755 ele apresentou 45 nebulosas. Destas 38 ou 39 se revelaram verdadeiros DSO´s.  Todas estas entradas estão entre as maiores joias da coroa celestial austral.
                Já sabendo disto tudo e de posse de meu primeiro telescópio me dediquei primeiramente a observar todo o catalogo Lacaille. Pouco depois e já com alguma experiência achei que seria um bela escola registrar todos os "Objetos Lacaille" fotograficamente.
                Entre o inicio e o fim desta grata tarefa passaram-se cinco anos , dois telescópios ( O Galileu , um refrator de 70 mm e o Newton , um refletor de 150 mm) ,diversos binóculos e 3 cabeças equatoriais ( Eq1, Eq2-3 e HEQ5). Bem como duas câmeras DSLR ( Uma cânon 350D e uma T3 ) .
                Mas a fila tem que andar e finalmente venho falar sobre o ultimo dos Objetos Lacaille que faltava-me fotografar.  A grande novidade no front é que não falta mais nenhum.
                Ngc 4833 foi abatido na noite de 10 de abril de 2016.
                Localizado na pequena constelação de Musca este é um aglomerado globular bastante interessante. E de difícil acesso para habitantes ao norte do Equador.
                A constelação de Musca reside ao sul do Cruzeiro do Sul. Sua história remonta ao seculo XVI e faz parte de doze antigas constelações introduzidas nos céus pelos navegantes holandeses  Keyser e de Houtman  em seu caminho para as Índias Orientais.  Em seu catalogo de 1603 de Houtman a  constelação é chamada de "  De Vlieghe" ( Mosca).
                Bayer em seu clássico atlas Uranometria  chama a constelação de Apis , a abelha.
                Lacaille posteriormente chamou-a de Musca Australis em seu planisfério.  Houve um tempo em que existiu sua contrapartida, Musca Borealis ( um apêndice em Aries )... Mais tarde o nome foi encurtado para Musca.
                No caminho até Ngc 4833 não podemos deixar de perceber duas interessantes estrelas em Musca.  Beta Musca é uma interessante estrela dupla e que pode ser útil para se iniciar a navegação até nosso alvo em locais de forte poluição luminosa. trata-se de um sistema duplo bem interessante apesar do pouco contraste de cor entre suas estrelas . Serão divididos com quase qualquer auxilio óptico . Carregam ainda a curiosidade de serem estrelas "fugitivas". Passeiam pelo espaço em altíssima velocidade em comparação ao seu meio . Fazem parte da nossa já conhecida associação Centaurus - Scorpio. Seu período é de 194 anos ao redor de seu centro de gravidade...

                Agora já bem mais perto de 4833 e quase uma parada obrigatória esta Delta Musca.  Trata-se de uma dupla espectroscópica cuja a primaria é uma bela estrela alaranjada. É a estrela mais próxima da Terra na constelação. Ela se apresenta com uma companheira não relacionada na buscadora. LS Musca. Esta é uma variável. Ngc 4833 vai estar levemente ao norte. Em minha ocular 40 mm ambas se encontram no mesmo campo. É interessante retirar Delta do mesmo campo pois esta pode "disfarçar" o globular.
1X20 seg 6400 ASA

                Visualmente o globular é pouco mais que um esfuminho.  Sua estrela estrela mais brilhante arde com magnitude 12,4 e seu ramo horizontal em 15,5. Portanto resolvível em telescópios de médio porte. Em sua foto percebemos ele resolvido . Visualmente isto acontece parcialmente. Um grupo de estrelas mais brilhantes marca o centro do globular recordando de forma modesta M 4 em Scorpio. 
                Lacaille descobriu Ngc 4833 em 17 de março de 1752 e é a entrada Lac I.4. Ou seja: a quarta entrada da Categoria I. Nebulosas sem estrelas.  Sua descrição é como sempre sucinta e precisa: " Recorda um pequeno cometa. Tênue".  Em minha buscadora 10X50 mm é exatamente assim que o globular se apresenta. Lacaille possuía lunetas ainda menos potentes que isto.
                Ngc 4833 é a terceira entrada mais ao sul do catalogo Lacaille ( atrás apenas de Tuc 47 e de Ngc 2070 , a Nebulosa da Tarantula) . Seria de se imaginar que apenas os pesquisadores do céus austrais tivessem registrado sua existência .  Não me foi surpresa que Dunlop o tivesse incluído em seu catalogo. Mas que que em seu registro ele cite Bode foi , no minimo , inesperado: " (Musca 12 , Bode)  Esta é uma bela e arredondada nebulosa, com cerca de 4´de diâmetro, moderadamente condensada no centro. esta , com aumento da ampliação , tem a aparência de um globo de matéria nebulosa com estrelas bem pequenas na sua margem noroeste. Mas com poder suficiente para resolve-lo  a aparência globular desaparece e a mais brilhante e condensada parte é o lado oeste do centro com estrelas consideravelmente espalhadas do lado nordeste. resolvível em estrelas de magnitudes diversas. Uma nebulosa  a oeste (D 164)
                É interessante a inclusão do aglomerado como Musca 12 do catalogo de Bode. Pode ser que se refira a Delta Musca. O catalogo de nebulosas compilado por Bode em 1777 definitivamente não fala do Globular embora localize alguns objetos descobertos por Lacaille. Bode observou a vida toda de Berlim...
11X 20 seg 6400 ASA - Canon T3 Newton 150 mm HEQ5 pro - Percebe-se nitidamente a barra central e a estrela de 7 mag citada por Herschel- 2X Drizzle no Deeo Sky Stacker
                Como não poderia deixar de ser John Herschel em seu gigantesco levantamento do céu austral também deixa seu testemunho sobre nosso convidado:
                ”  Globular , brilhante , grande, redondo , gradualmente mais brilhante em direção ao centro . Estrelas de 14a magnitude e uma de 7a magnitude a noroeste do centro.; Interessante objeto ( h 3444)" 
                Como podemos perceber todos percebem a série de estrelas mais brilhantes a seu centro. Na verdade são um aglomerado de estrelas brihantes dentro do aglomerado que nos transmite esta impressão.
                Ngc 4833 é um aglomerado extremamente pobre em metais com  estrelas apresentando 1/60  da quantidade presente em nosso sol.  É evidentemente muito antigo sendo um daqueles objetos paradoxais quase mais velhos que o universo. Sua idade é calculada em 15 bilhões de anos. Sua distancia não é alvo de muitos conflitos  e todas as fontes nos falam em algo ao redor de 16.000 anos luz.
                Por uma daquela coincidência sem nada a ver com as leis fundamentais do universo mas por isto mesmo muito suspeitas foi o ultimo Lacaille fotografado por mim. Se não um nobre título pelo menos uma bandeira quadriculada...


               
               

                 

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