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domingo, 17 de julho de 2016

Ngc 4755 - A Caixinha de Joias

          
             Em sua única e magna obra ( The Burnham´s Celestial Hanbook) Robert Burnham jr. ,o cavaleiro da triste figura astronômico, nos apresenta logo na introdução  a mais poética e precisa descrição da astronomia em geral e da astronomia amadora em particular que seria possível ser realizada em tinta e pena.
            "  Se a astronomia é a mais antiga das ciências , certamente a astronomia amadora tem o direito de clamar o título de " o mais antigo dos hobbies científicos". Ninguém pode precisar  a data que a astronomia se iniciou- podemos apenas dizer que a fascinação dos céus é tão velha quanto a habilidade do homem pensar ; tão antiga quanto a capacidade deste se maravilhar e sonhar. E na companhia com os maiores encantamentos da vida humana , a astronomia tem um apelo único que é incomunicável mas facilmente compreendido com a experiência direta... "
               "...  O charme da astronomia é simultaneamente estético e intelectual; ela combina a 
emoção da exploração  e  da descoberta  , a diversão da observação , o puro prazer do conhecimento
 em primeira mão de  maravilhas e de coisas maravilhosas. 
Mas também oferece o privilégio , que não deve ser levado com o animo leve,  de estar contribuído 
para o saber e o conhecimento do  homem".


            Ao ler estas palavras não posso deixar de me lembrar da primeira vez que avistei Ngc 4755 , A Caixinha de Joias ( assim batizada por John Herschel) ao montar pela primeira vez meu primeiro telescópio.
            Todo desajeitado e apanhando de um cabeça equatorial EQ1 eu nervosamente buscava confirmar minha teoria que com o uso de um telescópio ( e portanto podendo ver coisa que antes não podia...)  eu confirmaria que as estrelas que eu achava que estava olhando eram elas mesmas. Eu já sabia diferenciar o Cruzeiro do Sul( Crux) do Falso Cruzeiro. Mas como São Tomé eu precisava ver para crer. E com Ngc 4755 logo abaixo  de Mimosa ( Beta Crux)  me parecia ser um fácil e bom começo em meu experimento. Lutando para me entender com a buscadora ( que me parecia uma invenção de Lewis Caroll em noitada de rock  e  sido importada de dentro do espelho de Alice) eu finalmente  enquadrei a Mimosa. Dela e com uma ocular Kelner ( bem tabajara) de 20 mm cheguei até meu destino. Imediatamente entendi o que estava vendo. Ainda que não fosse em nada semelhante as fotos que possuia em meu ( na época) único guia astronômico eu imediatamente tive certeza de onde estava e compreendi claramente as palavras de Burnham: "  ... , a astronomia tem um apelo único que é incomunicável mas facilmente compreendido com a experiência direta...
            Tinha concluído um dos ritos de passagem fundamentais para um astrônomo amador  abaixo do equador. Eu tinha certeza de quem era o Cruzeiro e de quem era o Falso. A presença do Apontadores do Cruzeiro (Alpha e Beta Centauro) não bastavam para sossegar minha alma. Agora a Caixinha de Jóias e seu formato triangular com um coração vermelho (a estrela CD59 4459) e que recorda muito o simbolo "anarquista"   me davam profunda paz de espirito...
            Tendo concluído a observação e registro fotográfico de todo o Catalogo Lacaille me vi na obrigação de realizar um post dedicado a um dos mais icônicos DSOS austrais.             Como nunca realizei uma foto que achasse a altura de tal tarefa o post sobre o primeiro DSO que observei foi ficando para trás. Na verdade acho que nunca farei uma foto de Ngc 4755 que supere a impressão deste primeiro avistamento. Mesmo que registre mais estrelas , mais cores e mais tudo o prazer e o susto que levei na primeira vez que estive de frente ao original jamais serão superados por um registro que não for realizado pelo meus próprios olhos. A Caixinha de Joias é um daqueles DSOs que , para mim, são alvos visuais por excelência.  O Catalogo Lacaille é repleto deles...
            Já é evidente que o primeiro homem a registrar a existência de Ngc 4755 foi Lacaille.  É a décima segunda entrada na segunda categoria ( aglomerados estelares nebulosos)  de seu catalogo e registro mais antigo é Lac II 12.
Esta é uma unica exposição realizada com o Galileu ( um refrator de 70 mm f 13)

            Seu registro não pode ser chamado de prolixo:  " Cinco a seis estrelas entre segunda e sexta magnitude"
            Posteriormente Dunlop também nos dá noticias de 4755 mas ainda não canta todas as suas maravilhas embora destaque que o que seria Kappa Crucis é na verdade um aglomerado: " k Crucis...são cinco estrelas de 7a magnitude  formando uma figura triangular, e uma estrela de uma esttrela de 9a magnitude entre a segunda e a terceira
            Cheia de apelidos 4755  é também chamada de o Aglomerado de Kappa Crucis devido a seu mais brilhante membro ( mas não o mais belo). É um brilhante e lindo aglomerado aberto e se destaca entre ( sendo repetitivo , mas é inevitável)  as joias da coroa austral. O tratamento de Caixinha de Joias deriva das palavras de Sir John Herschel nas quais ele diz que sua visão produziu nele a impressão de uma soberba peça de joalheria. Em sua primeira descrição ele já revela seu encanto : "  A estrela central ( extremamente vermelha. O mais vivido e belo aglomerado de 50 a 100 estrelas. Entre as maiores existem uma ou duas evidentemente esverdeadas; ao sul da estrela vermelha existe mais uma de 13a magnitude também vermelha e acima uma azulada". Ao longo da história rubis e esmeraldas são figuras comuns na descrição de Ngc 4755. Um mistura encantadora de geologia com astronomia...
Suas estrelas mais brilhantes são super gigantes e incluem algumas das mais luminosas estrelas conhecidas em nossa galaxia. Seus 50 ( ou quase isto) membros mais brilhantes estão comprimidos em 10´ de diâmetro aparente. 25 anos luz de espaço. O conjunto completo ocupa cerca de 50 anos -luz... ( segundo Burnham) Livros  mais recentes ( O´Meara) falam em 240 membros em  14 anos luz ( o 10´de diâmetro continuam os mesmos. O aglomerado se aproximou de nós...Atualmente localizam-no a 4900 anos luz contra 7500 nos tempos de Burnham ).Quase todas  estrelas mais brilhantes são  do tipo B.


            Fotografei Ngc 4755 diversas vezes. Confesso que não gosto de nenhuma das fotos... Embora sejam registros honestos nunca me pareceram chegar perto de prazeres que obtive junto a ocular. Especialmente com o Newton ( um refletor de 150 mm f8) com aumentos entre 60 e 120 X.   Visualmente o aglomerado se revela de diferente formas e emoldurado de diversas maneiras. E o colorido ( estranhamente me parece mais vivido e real que nas fotos ) é mais agradável .  Espero um dia retornar e fotografa-lo com mais delicadeza. Acredito que talvez devido a sua beleza natural nunca tenha me dado ao trabalho de fotógrafa-lo "by the book". E assim a difícil arte não se faz arte...  Os resultados podem ser vistos ao longo do Post. As fotos foram realizadas ao longo de anos e com os mais diversos equipamentos. Confesso que o que foi feito em cada uma delas se perdeu no tempo

terça-feira, 12 de julho de 2016

Ngc 4608 e 4596 : "The Rho Twins"

               

            Sempre que vou falar de galaxias me lembro da longa história que nos levou até o entendimento do que ,por alguns momentos históricos, foi chamados de Universos Ilhas.  É importante fazer uma autocritica quando achamos engraçado que os antigos não soubessem do que se tratavam o que então se chamava de nebulosas espirais. Os telescópios do Seculo XIX não tinham poder de fogo para resolver estrelas em estes distantes universos. E assim supor que eles apenas eram nebulosas dentro da própria via láctea não parecia ser o absurdo que sabemos ser hoje. Nenhumas das velas padrões ainda haviam sido descobertas (pelo menos não com esta utilidade...) e mesmo as distancias para as galaxias mais próximas já é suficientemente grande para parecerem impensáveis em um universo, na época, ainda estático.            
                O conhecimento destes seria semelhante ao dos atuais defensores de ideias como a terra plana, a terra oca e a terra jovem. Como disse Simenon :  "Uma pequena ilha em um vasto oceano de desconhecimento".
                Mesmo assim alguns visionários parecem ter percebido a natureza destas nebulosas de uma forma quase profética. Kant e antes dele Giordano Bruno pareciam já ter entendido a escala do universo e suas estruturas de uma forma futurista.
                Quando penso em universos ilhas e o caminho para seu entendimento sempre me ocorre o Aglomerado de Virgem. O Maior aglomerado galáctico em nossas plagas de universo.
                Visitar o mesmo é um desafio para os astrônomos amadores. especialmente os iniciantes. São centenas de galaxias e sem muitas estrelas por perto navegar pelo aglomerado é mais um exercício de "galaxy Hopping" que de "star hopping".

                Phill Harrigton em seu "Star Watch; The  Amateur Astronomer´s Guide to Finding, Observing and Learningabout over 125 Celestial Objects"  no conta muito sobre o aglomerado de Virgem. Na verdade ele o batiza de Aglomerado de coma Virgo já que este se espalha por entre as constelações de Virgem e Coma Berenice ( A Cabeleira de Berenice). Localizado a uma distancia média de 60 milhões de anos luz é o mais próximo grande aglomerado galáctico em relação ao nosso grupo local. Nós mesmos seriamos habitantes marginais desta imensa estrutura. Isto implicaria que apesar de estarmos nos afastando da maioria das galaxias no aglomerado a gravidade destas ( em um futuro distante) iria reverter este quadro e nós iriamos acabar por nos unir ao mega aglomerado.
                Harrigton nos alerta logo no inicio de seu texto que apesar de ser , teoricamente , possível observar todas as galaxias Messier no aglomerado com binóculos 10X50 mm estes não são alvos para os novatos . Ele recomenda que o novato desenvolva suas técnicas observacionais  com objetos Messier mais acessíveis antes de tentar tal empreitada. Mesmo com pequenos telescópios a maior parte das galaxias será um alvo discreto e em muitos casos alvos quase estelares.
                O que acho interessante no texto de Harrington é que ele aborda o aglomerado com um único alvo. E não galaxia a galaxia. Em seu projeto ele estabelece duas campanhas para se observar o aglomerado. Uma se iniciando o ataque a partir de oeste e outra escaramuça a partir do Leste.      
         
                Seguindo sua estratégia mas não sua tática apresento uma saída diferente para a campanha  do leste. Da mesma forma que  Harrington  iniciamos a campanha sem ser por objetos Messier. Mas enquanto este aposta em Vindemiatrix e Ngc 4762 ( um dos objetos não Messier mais brilhantes no aglomerado)  eu prefiro  iniciar  partindo de Rho Virgem e do que batizei de " The Rho Twins" ( em inglês mesmo pois me pareceu mais musical e me lembrou do Twisted Sisters...) . Ngc  4608 e 4596  formam um par de galaxias que habitam o mesmo campo que Rho Virginis. Como localizar Rho Virginis e sua parceira 27 Virgo ( GG Virgo) em uma área pobre em estrelas mais brilhantes é moleza mesmo em céus com alguma poluição luminosa nossas gêmeas são um excelente inicio para seu ataque ao aglomerado.  Visualmente são semelhante e apesar de pequenas apresentam um brilho de superfície amigável e que as revela sem maiores esforços mesmo com pequenos aumentos. Utilizando Minha 40 mm e com Rho em quadro as duas são notadas como esfuminhos mesmo com visão direta. 
                Apesar de sua aparente semelhança as gêmeas não são univitelinas e tem diferenças .  Ngc 4608 é um daqueles objetos quiméricos que se tornam cada vez mais comuns em classificações galácticas. Um interessante trabalho realizado por pesquisadores da USP nos apresentam Ngc 4608 como uma galaxia barrada sem disco. Isto a colocaria como um estranho no ninho. Sua classificação normal é de galaxia elíptica. ( SB0). Mas neste estudo ( e em alguns outros estudos com outras galaxias de morfologia semelhante) parece que nem tudo é o que parece ser . E assim é possível que galaxias elipticas possuam estruturas barradas "escondidas" em meio a suas estrelas. (http://iopscience.iop.org/article/10.1086/368159/pdf)

                Já Ngc 4596 é uma espiral barrada clássica (SB0-a) e assim com a anterior foi uma descoberta de  William Herschel  em 15 de março 1784.  São galaxias discretas e que não adentraram nenhuma lista famosa como os "400 de Herschel" ou outros . Mas sua composição com Rho Virgo e GG Virgo é um adorável campo estelar e uma fácil porta de entrada para o aglomerado de coma Virgo. A Partir destas acessar o coração do aglomerado junto a M 86 e m 84 é um pequeno passeio e facilmente realizável junto a ocular.