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segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

As Lendas de Orion e a Nebulosa da Chama

              

              O verão se aproxima e com ele Orion vem dominar os céus pelos próximos meses. Constelação chamativa que é possui referência em quase todas as culturas e conta muitas lendas. A lenda grega é bastante conhecida, mas para garantir, vou apresentar um curto resumo.
            “ Orion é o filho de Hyrieus. Este um  fazendeiro que apesar de sua pobreza sempre era amigável com estranhos e os ajudava no hostil e vazio ambiente que habitava próximo a Tebas. Certa vez auxiliou três caminhantes pouco usuais. Estes eram Zeus, Netuno e Hermes que andavam incógnitos pela região. Em retribuição a sua simpatia e gentileza eles deram um único desejo a Hyrieus. Ele pediu por um filho. Assim nasceu Orion e com a benção de seus poderosos padrinhos cresceu e tornou-se um poderoso e carniceiro caçador. Isto acabou por enfurecer Artêmis que manda um Escorpião (que andará sumido dos céus durante o verão) mata-lo. Ferido e a beira da morte ele é curado por Ophiucus. Sua "quase morte" o faz mais sensível aos animais que costumava caçar pelo simples prazer de matar. Posteriormente o arrependido Orion e seu quase algoz Escorpião são colocados no céu por Zeus. ”
            Mas para nossa história a lenda mais significativa e que apresenta uma daquelas coincidências que sempre encantam o Nuncius Australis vem da ponta norte da Austrália. Mais precisamente da Terra de Arnhem. Os aborígenes que ali habitam (ou habitavam...) falam de três famosos pescadores que pertenciam a uma tribo que possuía com seu totem o “Kingfish”. (O Kingfish da lenda é muito provavelmente um representante da família Carangídea. A savelha do Pacifico Sul, Seriola grandis. Seu primo mais próximo no Atlântico Sul é a Cavala).
            Nossos três heróis estavam já a vários dias no mar e somente conseguiam capturar Kingfishes, os quais eram um tabu e que não poderiam comer. Encontravam-se em um terrível dilema pois as crianças da tribo estavam famintas e se eles não trouxessem algum peixe de volta da pescaria a situação se tornaria desesperadora.  Como a sharia não havia sido ainda inventada eles simplesmente quebraram o tabu e comeram o Kingfish. Depois saíram para pescar novamente e novamente a safra foi quase exclusivamente de Kingfishes. Mas desta vez, em seu retorno, as nuvens, o mar e o vento conjuraram uma tremenda tromba d´agua que de tão forte os levou para o céu.   Hoje eles podem ser vistos em suas canoas como três estrelas no cinturão de Orion. Nós a chamamos de “Três Marias”. É aí que as coisas começam a ficar interessantes. Seus nomes eram (em “aboriginês”) Alinta, Alira e Makinti.
            A primeira coincidência é sua semelhança (ainda que apenas sonora) com os nomes árabes que hoje carregam as estrelas do cinturão de Orion. Alnitak, Alnilam e Mintaka. Mas que isto tenha alguma relação com aquilo é pouco provavel. Ou melhor - Não ha nenhuma chance!
            A segunda coincidência a me chamar a atenção é o significado dos nomes. Ainda que nomes próprios a tradução dos mesmos é bem significativa. Makinti tem seu significado e origem desconhecidos. Alira é como os mesmos aborígenes se referem a “cristal de quartzo”. E o mais interessante e sugestivo é que Alinta significa “a chama”.
            É aí que a coisa realmente se torna sugestiva e quase astronômica. Alinta é a estrela mais ao leste do cinturão. E na lenda se fala de uma região nebulosa no céu “pendurada”      em sua canoa. Em um análise fria e calculista provavelmente devem se referir a M 42, a grande nebulosa de Orion. Mas muito mais próxima de Alinta encontra-se Ngc 2024. A Nebulosa da Chama...
            Pode parecer pouco provável que os aborígenes tenham conseguido perceber Ngc 2024 a olho nu. Mas a ponta norte da Austrália em tempos quase pré-históricos era um lugar bem escuro. E há registros bem mais recentes sobre amadores com visão biônica que já perceberam muitas das estruturas que compõe a nuvem molecular de Orion a olho nu. Walter Houston (autor durante anos da coluna “Deep Sky Wonders” na prestigiosa revista Sky and Telescope) já percebeu o Loop de Barnard na integra  assim. Mas contava com o auxílio de um filtro de banda estreita (creio que OIII).  
            Como disse o poeta: - Há mais coisas entre o céu e a terra, Horácio, que supõe nossa vã filosofia.
            Ngc 2024 é uma descoberta do maior astrônomo visual de todos os tempos, William Herschel. Ele registrou-a na noite de primeiro de janeiro de 1786.


            “Marcante espaço negro envolto em nebulosidade leitosa, dividido em 3 ou 4 fragmentos. Não tem menos de ½ graus mas suponho que seja muito mais extensa. ”

            Ngc 2024 é a entrada de número 34 do “Deep Sky Companions: The Hidden Treasures” de O´Meara. Ela serve de protótipo para a proposta do livro. Apesar de não incluir objetos impossíveis todos os objetos nesta lista se encontram escondidos devido a presença de outros objetos muito próximos que roubam a cena. Ngc 2024 carrega duas cruzes em suas costas. Alnitak (ou Alnira) é uma estrela de 2 magnitude a apenas 15´da mesma. Ao lado da brilhante estrela seu pálido brilho pode ser tomado como um reflexo ótico da estrela. Daí nasce mais um de seus muito apelidos: “O fantasma de Alnitak”. Fosse ela um pouco mais distante e esta seria muito facilmente percebida e uma versão um pouco mais tímida de M42. Não bastasse isto nos arredores de Alnitak (ela mesma uma interessante estrela tripla) habita uma da mais famosas e menos observadas nebulosas escuras que se conhece. B33, A Nebulosa da Cabeça de Cavalo.
O Conjunto da Obra. 
            Ngc 2024 divide muitas coisas em comum com sua irmã mais famosa M42. Esta a aproximadamente 1300 anos luz de nós e é uma das mais próximas regiões de formação estelar intensa. Trata-se de uma nebulosa de emissão. Uma região HII onde fótons muito energéticos de estrelas muito jovens destripam átomos de hidrogênio de seus elétrons fazendo a gás visível na nebulosa brilhar. No interior da nebulosa, de fato, existe um aglomerado muito jovem de estrelas que se encontra tão obscurecido pela poeira ao redor que nem mesmo o Hubble conseguiu quebrar esta noz e apresentar uma imagem destas estrelas no espectro visível. Observações em infravermelho mostraram pelo menos 94 membros no seu interior. Algumas destas estrelas não possuem mais que 300.000 anos (o Homo Sapiens é contemporâneo destas jovenzinhas cósmicas...)  e regulam com as estrelas escondidas por trás da poeira e das estrelas do “trapézio” no coração de M42. No coração de Ngc 2024 encontraremos estrelas em diferentes estágios evolutivos, desde protoestrelas até estrela do tipo B e que já adentraram a sequência principal e que são responsáveis por ionizar a “Chama”.

            Localiza Ngc 2024 é uma tarefa bem fácil. Localize Alnitak, a estrela mais a leste das Três Marias e você estará lá. Agora para percebe-la claramente a sua luta será abafar o brilho de Alnitak. Uma técnica interessante é utilizando uma ocular de campo grande (a nebulosa cobre uma área igual à da lua cheia.) usar um pequeno anteparo de cartolina preta para “tampar” a visão da brilhante estrela. Em locais de céu escuro ela será facilmente perceptível com um binoculo de 15X50 ou mesmo menor. Mas será discreta devido à dificuldade de separa-la do brilho de Alnitak em tais aparelhos. Com o Newton (um refletor de 150 mm f8) com 60X ela comparece facilmente com visão periférica e olhos bem adaptados. Com paciência e perseverança começarão a aparecer detalhes como as faixas escuras recortando sua superfície.
            É um alvo fotográfico relativamente fácil e ainda que de forma discreta comparece com exposições relativamente curtas e se usando lente de até 100 mm é possível registral mesmo sem acompanhamento. Em fotos mais elaboradas ela fará conjunto com sua algoz, A cabeça de Cavalo. As fotos aqui apresentadas foram realizadas com uma Lente zoom 70-350 @ 70 mm. Posteriormente foi realizado um processo de Drizzle no DSS. São fruto de varias dezenas de exposições de 30 e 50 segundos com uma Canon T3 montada sobre uma cabeça equatorial HEQ 5 pro. 
            Ngc 2024 possui vários apelidos: A Nebulosa da Chama, “Burning Bush Nebula", O Fantasma de Alnitak, A Nebulosa do Lábios...
            Gostaria de acrescentar mais um.  A Nebulosa Kingfish.

            

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