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quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Poluição Luminosa , Ciganagens e a Escala Bortle

               Quando se fala em poluição luminosa a primeira definição que costuma ser apresentada é a seguinte:
                “Poluição luminosa é o tipo de poluição ocasionada pela luz excessiva ou obstrutiva criada por humanos. A Poluição luminosa interfere nos ecossistemas, causa efeitos negativos a saúde, ilumina a atmosfera nas cidades reduzindo a visibilidade das estrelas e interfere na observação astronômica. ”
                Durante um verão que tem tido um “que” de vida cigana pude experimentar diversas formas de poluição luminosa. Na primeira perna do verão e aproveitando a viagem de meu sogro a família foi se refugiar no apartamento do mesmo. Aproveitar sauna, piscina, academia de ginastica e mudar de ares. E ainda aproveitar a cobertura de seu prédio. Nesta podemos ter uma experiência ainda mais urbana que na Stonehenge dos Pobres (mas bem mais confortável...). Encravado na Rua da Passagem bem no coração do bairro de Botafogo as condições são de Bortle 8. Bortle é uma escala de poluição luminosa que vai de 1 até 9. Enquanto 1 é no canto mais escuro do Atacama 9 é algo semelhante as condições que encontro sobre a laje do sogrão.

A ESCALA BORTLE
Escala Bortle Cor em mapas de PL Descrição do céu
1  Preta  Local com céu escuro excelente:
·          Nelm (Magnitude limite a olho nu) 7,6 a 8.0
·          Luz Zodiacal, Gegenshein e faixa zodiacal são visíveis.
·          M 33 é obvia a olho nu
·          A via láctea junto a Escorpião e Sagitário apresenta obvias sombras difusas
·          Objetos terrestres (arvores, carros, pessoas...) são invisíveis.
2  Cinza   Local de céu muito escuro:
·          Nelm de 7.1 a 7.5
·          M33 facilmente visível com visão direta
·          A luz zodiacal continua suficientemente brilhante para lançar sombras longo após o nascer ou o por do sol.
·          Nuvens são visíveis como buracos escuros ou vazios no céu
·          Objetos terrestres só são percebidos vagamente, a menos que se projetem contra o céu.
Azul Céu Rural:
·          Nelm 6.6 a 7.0
·          Alguma poluição luminosa evidente ao longo do horizonte
·          A via láctea apresenta estrutura complexa
·          Aglomerados globulares brilhantes (Omega centauro, M22 etc..) são facilmente percebidos a olho nu.
·          M33 é notada com visão periférica.
·          Objetos terrestres vagamente percebidos entre 6 e 10 metros.
4  Verde Transição Rural / Urbano:
·          Nelm 6.1 a 6.5
·          Domos de poluição luminosa evidentes em diversas direções no horizonte
·          Via láctea apresenta estrutura apenas próxima ao zênite.
·          Luz Zodiacal é evidente mas se estica somente até metade do caminho até o zênite.
·          M33 é difícil mesmo com periférica e mesmo assim acima de 50 graus.
·          Objetos terrestre percebidos facilmente mesmo a distancia
Laranja Céu Suburbano:
·          Nelm 5.6 a 6.0
·          Indícios de luz zodiacal somente em dias especiais
·          Via Láctea se apresenta lavada próxima ao zênite e praticamente imperceptível junto ao horizonte
·          Fontes de Luz artificial presente na maioria, senão todas, as direções.
·          Nuvens são obviamente mais claras que o céu.
6  Vermelho Céu Suburbano Claro:
·          Nelm 5.5
·          Luz zodiacal invisível
·          Via láctea só percebida bem próxima ao zênite.
·          Nuvens muito brilhantes em qualquer lugar do céu
·          Omega Centauro ou M31 dificilmente percebidos a olho nu.
7  Vermelho Transição Suburbano/Urbano:
·          Nelm 5.0
·          Via láctea Invisível
8  Branco Céu Urbano:
·          Nelm 4.5
·          Céu alaranjado
·          Podem-se ler manchetes de jornal sem lanterna
·          Algumas constelações familiares são difíceis de perceber
9  Branco Mega cidade:
·          Nelm 4.o ou menos
·          Todo céu é claramente iluminado
·          Diversas constelações familiares são invisíveis
                

               Mas o horizonte sul do Rio sempre reserva alguma escuridão e é possível se retirar leite de pedra. E assim aposto contra a versão antrópica da poluição luminosa e resolvo fazer uma noitada fotográfica desafiando as baterias de fogo antiaéreo instaladas na praia de Copacabana. E ao contrário do que supõe a maior parte da humanidade é possível se observar do centro de uma grande cidade durante uma noite de lua nova.


                Embora a observação visual não seja a “piece de resistánce” da noite o alinhamento polar colabora com a coisa e faço algumas fotos de diversos objetos bastante claros. Revisito diversos objetos do catalogo Lacaille (que são alvos “fáceis” e sempre disponíveis para condições extremas...) e ainda capturo uma novidade e um dos mais charmosos globulares que conheço. Ngc 1851.
                  E de quebra faço diversas brincadeiras pela Grande Nuvem de Magalhães testando a capacidade fotográfica do Newton em aglomerados mais obscuros no ao redor da Nebulosa da Tarântula .


 IC 2488

Ngc 1851

Ngc 2044

Ngc 2060



Ngc 2100

Ngc 2516

Ngc 3293

Ngc 3766

A Roseta não sobreviveu bem a PL...

Tarântula ( Ngc 2070)

                Segue o verão e com o Stonehenge dos Pobres alugado por uma curta temporada para um holandês que parece gostar de muito calor e mantendo a ciganagem sigo para Búzios. Agora durante a Lua cheia...
                Embora a lua cheia não possa ser acusada de poluidora ela é muito mais nefasta para a observação de DSO´s que todos os vapores de sódios reunidos ao longo do calçadão de Ipanema.
                Logo que me iniciei na astronomia costumava observar na Lua cheia. Acreditava que evitando-se o quadrante onde esta se encontra tudo transcorreria bem.
                Apesar de muita insistência a temporada nos jardins de Búzios apanhou de forma feia da noitada sobre o terraço em Botafogo.

IC 2395



3 DRIZZLE

"Moon Nébula"


                Realizei novamente algumas fotos de  membros do Catalogo Lacaille tentando melhorar a seleção que possuo para finalmente encerrar um longo projeto que visa tornar-se um livro sobre as descobertas do Abbé nos céus austrais.
                Embora a lua cheia tenha sido cruel consegui um registro com alguma dignidade de IC 2395. Um dos “objetos perdidos” de Lacaille e que em um último instante decidi que deveria integrar o livro. O unico detalhe a favor das fotos buzianas é que enfim consegui limpar o sensor de minha câmera. Sem muito preciosismo utilizei apenas "Rosco Paper" ( uma espécie de papel higienico paea fotográfos) aplicado com muito cuidado sobre o sensor.   

                A Poluição luminosa, seja esta antrópica ou natural, é como a fumaça da música de Caetano. Sobe apagando as estrelas. E imagino que na Ipiranga com são João a escala Bortle atinja 9...   

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Ngc 1851: O Aglomerado de Rosse

         
               William Parson, 30 Conde de Rosse construiu o maior telescópio de seu tempo. Um monstro (para época) com um espelho primário de 1.8 metros. Foi uma árdua batalha pois as técnicas para a confecção de um espelho deste tamanho simplesmente não existiam e os que tinham alguma experiência guardavam suas técnicas debaixo de sete chaves. A metalização deste foi resultado de muitas tentativas e erros. 

                O “Leviatã de Parsontown” era realmente um monstro. Sua operação demandava diversos assistentes. Entre eles  ninguém menos que  J. Dreyer ( entre 1874 e 1878)  , responsável e organizador do monumental “New General Catalog”  (Ngc) e do “ Index Catalog”( IC) .
                Apesar do inclemente clima irlandês Parson realizou, a partir de abril de 1845, diversas observações e desenhos. Seu grande legado foi a descoberta da estrutura espiralada de diversas nebulosas. Ele foi o primeiro a perceber o que hoje chamamos de galáxias espirais e os desenho por ele feitos   muito lembram modernas fotografias. 
30X 20 seg asa 3200 Newton 150 mm f8 Canon T3 -2X drizzle no DSS + Gimp + fits
A foto que abre o Post é resultado das mesmas fotos mas foi submetida a 3X drizzle no DSS; 
                Mas seu sucesso acabou por ser sua desgraça. Ele começou a ver espirais em todos os lugares. Até mesmo em aglomerados abertos.
                Assim o DSO que apresentamos hoje deve seu nome e sobrenome aos Jardins do Castelo de Birr.  Ngc 1851 (a entrada de numero 1851 do New General Catalog de Dreyer) também é chamado  de “O Aglomerado de Rosse”.  Embora não existam registros de que Lorde Rosse tenha alguma vez o observado.

                O apelido nasceu de minha primeira impressão ao fotografar Ngc 1851. Em uma noite devotada exclusivamente a astrofotografia eu tinha  obtido um foco mais aceitável do que normalmente obtenho com meu focalizador de cremalheira. E assim decidi que não iria mais tirar a câmera para caçar os DSO´s que eu tinha listados para a noite. Observando sob céus urbanos ( bortle 8)  caçar DSO´s utilizando somente a buscadora pode ser bem ingrato. Mas quando se fala em teoria das probabilidades é bom lembrar que ele poderia ser chamada de Teoria das Improbabilidades... E assim acabei por localizar o que desconfiava ser Ngc 1851 utilizando somente a buscadora. Logicamente que havia feito bem o dever de casa e tinha estudado bastante os mapas da constelação de Columba (a Pomba) aonde reside O Aglomerado de Rosse.
Sem nenhuma forma de ampliação esta foto é muito semelhante ao que você irá perceber junto a uma ocular de 30 mm. 

                Columba não é exatamente uma das constelações mais populares. Localizada logo abaixo de Lepus ( a Lebre) e desta forma habitando  fronteira pouco vigiada entre Cão Maior e  Puppis  perceber algo na região sob os faróis de xênon que iluminavam os céus de Botafogo as vésperas do réveillon foi um misto de improbabilidade e de eficiência tecnológica. O “go-to” de Mmde. Herschel (minha cabeça equatorial HEQ5) estava em noite de glória e apesar de não me enviar diretamente para Ngc 1851 me deixou bem perto. E assim mesmo pela buscadora haviam poucos suspeitos. Depois de fotografar um suspeito por engano acabei por identificar a estrela “peluda” no campo da buscadora.
                Logo que vi a primeira foto me lembrei de Lord Rosse. O pequeno globular possui “braços” se enroscando em volta de seu núcleo mais denso e brilhante e não posso deixar de me lembra de uma galáxia espiralando-se. O 3o Conde de Earl  iria amar a paisagem. Praticamente “confirmaria” sua hipótese...

                Ngc 1851 fica a aproximadamente 8o de Phact, a estrela alfa de Columbae. Com mag. 2.65 é uma estrela de muita história. Diversas construções no Egito antigo tinham sua construção orientada por ela.  Outra interessante estrela na apagada constelação é MU Columbae. Esta uma “estrela fugitiva” que deve ter sido ejetada da associação estelar de Orion devido a explosões de supernovas. Apresenta uma incrível velocidade se comparada ao meio interestelar a sua volta e deve dividir a origem de sua história com AE Auriga. Ambas deve ter se lançado em direções contrarias a partir da Nebulosa de Órion no momento que uma ou mais supernovas criaram o atual Loop de Barnard.  53 Arietis também faz parte desta coleção de fugitivas.
                Ngc 1851 foi descoberto por Dunlop e incluído como a entrada número 508 do seu catálogo de 1827.
                “ Uma extremamente brilhante, redonda, bem definida nebulosa, extremamente condensada, até quase o limite. Esta é a mais brilhante pequena nebulosa que já avistei. Tentei diversas magnificações neste lindo globo; uma considerável porção em suas margens é resolvível, mas a condensação central é tamanha que eu não consigo separar estrelas. Eu a comparo com 68 com,des Temps ( M68 e o catalogo Messier) e esta nebulosa supera em muito 68 em condensação e brilho”.
                Como não poderia deixar de ser Ngc 1851 também foi observada por John Herschel, o qual também se encantou com a peça. Com mais poder de fogo ele resolve o globular quase na integra.
                “Aglomerado globular soberbo, todo resolvido em estrelas de 14a magnitude; repentinamente muito mais brilhante em direção ao centro para um esplendor ou núcleo de luz. Diâmetro em A.R.= 15 ´´. A diferença em se observando este objeto com meu olho direito e depois o esquerdo é memorável.  Retornando do esquerdo para o direito, o objeto (em comparação) parece envolto em um filme opaco”.
                Utilizo esporadicamente esta técnica  (de observar hora com um olho hora com outro) e sempre percebo diferença. Mas atribuo isto ao fato que minha vista esquerda tem menos astigmatismo que a direita. Embora meu olho dominante seja o direito e por isto o use mais em observações. O efeito obtido por Herschel não me parece ter outra razão de ser.
                Em tempos mais modernos Ngc é incluído por Burnham em se “ Celestial´s Handbook”, mas este somente apresenta a descrição do Ngc.
                Sir Patrick Moore o inclui como a sua 73a de sua lista observacional e assim James O´Meara o descreve em seu “The Caldwell Objects”. Neste ele percebe os “braços espirais” que eu notei como “tênues asas semelhantes as que se vê em M13”. Ele deve ser referir as famosas “hélices” (“The Propellers”) que são bem evidentes sobrepostas no Grande Globular de Hercules e que foram descritas por Lorde Rosse.
                Ngc 1851 é um globular bem estudado e que traz folego a teorias recentes sobre como globulares (especialmente o que habitam o halo) tem uma formação bem mais complexa do que se supunha e que estes apresentam diversas fases de formação estelar. Desta forma se aproximando muito das chamadas galáxias anãs esferoidais e demonstrando como o antigo modelo monolítico de formação de globulares e galáxias ainda é incompleto.
                Ngc 1851 ainda é candidato a possuir um buraco negro em sua região central.



                Localizar o aglomerado em céus urbanos pode ser difícil. Na verdade, contei com o auxilio luxuoso de Mdme. Herschel nesta tarefa. Mas o starhopping mais obvio se inicia em Phact (Alfa Columbae) que será percebida ainda que discreta em céu urbano. Ela forma um triangulo reto com Beta e Épsilon Columbae. Com Épsilon na buscadora calcule um pouco mais de meio campo (3o) e comece a perscrutar por um pequeno triangulo de estrelas. Com este centralizado na buscadora procure uma estrela “suspeita” a sul-sudoeste. Será Ngc 1851.

                Um interessantíssimo globular com um forma realmente encantadora e que se apresenta longe da maioria dos globulares, que costumam  se localizar em direção ao centro galáctico. Juntamente com M79 forma uma dupla de globulares deslocados e disponíveis para o verão.