Translate

segunda-feira, 19 de junho de 2017

Ngc 5460 , Evolução e o PixInsight LE

   
    Estou lendo um livro bastante interessante. Seu título é auto explicativo. “ Sapiens: Uma Breve História da Humanidade”.  Seu autor ( Yuval Noah Havari) nos conta como nos tornamos a única espécie do gênero Homo que sobreviveu. E de como fomos, provavelmente, os principais responsáveis pela extinção e/ou absorção de nossos parentes mais próximos. A seu ver a principal razão de nosso “sucesso” evolutivo deu-se por uma revolução cognitiva. Encurtando uma história longa  (recomendo que leiam o livro. É bem escrito e pode ser bem mais realista do que muitos “Sapiens” gostariam de acreditar ou até mesmo acreditam) ele nos conta que ao redor de 2,5 milhões de anos surgiram os primeiros humanos (membros do gênero Homo) que evoluíram de um simpático grupo de primatas que atendiam pela alcunha geral de Australopithecus (perceberam o “ Austral” no início do nome? “Os macacos do Sul” são, de certa forma, os antepassados de todos que você conhece. Galileu, Newton, Herschel, eu e você). Avançando o filme chegamos a 150.000 anos atrás. Neste momento o sapiens já está estabelecido. Mas não era de forma alguma o rei do Pedaço. Existiam pelo menos seis espécies do gênero Homo dividindo a terra com ele. E todas elas ocupando um posto bem “mais ou menos” na cadeia alimentar. Comíamos basicamente tutano. Os leões, hienas e afins comiam a carne. Nós roíamos o osso. Mas como Mestre Nestor Capoeira já dizia: “Parece que para mim osso não foi tão ruim assim”.   
Pelos próximos 70 ou 80 mil anos as coisas não mudaram muito. O Homo Sapiens continuava habitando a África oriental e só. Mas aí algo aconteceu. 70.000 anos atrás esta espécie de humanos (sapiens) começou a se espalhar pela Península Arábica e daí para a Eurásia. Bem rapidamente. Curiosamente conforme estes iam se espalhando as outras espécies do gênero Homo iam perecendo.  Apesar de bases fosseis insuficientes algo aconteceu. O Mundo seguramente era habitado por quatro ou mais espécies do gênero Homo. Os últimos remanescentes do Homo denisova desapareceram há 50 mil anos atrás. Mais 20 mil anos e os Neandertais se juntaram a lista dos animais extintos. E o diminuto Homo floresiensis nos abandona há 13 mil anos atrás. Só sobramos nós, o Homo sapiens.
                O que teria acontecido por volta de 70 mil anos atrás que levou esta espécie especifica de humanos a proliferar enquanto as outra minguaram?
                O autor acredita que em um último ato evolutivo o nosso cérebro e as “nossas sinapses” começaram a funcionar de forma mais eficiente. A nossa linguagem deu um salto e isto nos fez mais eficientes fofoqueiros e mais curiosos que nossos primos. E voilá.... Olhamos para o céu e criamos constelações e mitos. A tal da revolução cognitiva que nos levará a topo da cadeia. Seremos os senhores das moscas....
                Depois disto, como dizem, é história. Mais alguns poucos milhares de anos e todo o registro da humanidade (agora composta apenas por Homo sapiens) vai ser registrado de forma escrita.
                Depois disto a curiosidade do Homo sapiens nos levou até Ngc 5460.
                Possuo diversos projetos observacionais em andamento. Tendo concluído o “Projeto Lacaille” iniciei diversos outros. O mais ambicioso destes e que habita mais o terreno das lendas que da astronomia está o “Projeto Tudo que Existe”. Apesar do nome ele consiste em tentar observar “apenas” todo o Catálogo NGC antes de partir para o infinito.     
                Em noite de lua (quase) cheia e sem maiores pretensões   olho para a tela de meu lap top e pinço Ngc 5460 no Stellarium. Um aglomerado aberto perfeito para o “Projeto Tudo que Existe”. Posteriormente ele se revela também membro do “Projeto Dunlop 100”. Este mais modesto e ao alcance do “Newton” (meu refletor de 150 mm f8) e composto por uma lista observacional organizada por Glen Cozens na qual se reúnem os 100 objetos mais interessantes observados por James Dunlop durante seu pioneiro levantamento de nebulosas do céu Austral realizado em apenas 7 meses de 1826.
                Ngc 5460 é um delicado e disperso aglomerado aberto localizado a cerca de 2o de Alnair (z Centauro).  Tendo escapado de Lacaille sobrou para Dunlop  esta bela presa capturada em 7 de maio de 1826.  Esta é a entrada 431 de seu catálogo:
                “ Uma curiosa linha curvada de pequenas estrelas, de magnitude quase igual; duas estrelas ao leste”.
                O próximo sapiens a vislumbrar esta pequena joia foi John Herschel:
                “ Uma região de grande, brilhantes, 8, 9 e etc.. magnitudes; um aglomerado bem disperso. Um grupo brilhante. Uma delas uma dupla de classe III. (h3555) ”
                William Herschel (pai de John) dividia estrelas duplas em 6 classes. As estrelas duplas de classe III apresentam uma separação entre 5´´ e 15´´ de grau.
                Ngc 5460 é classificado como um aglomerado (pelo sistema Trumpler) como II3m. Ou seja: um aglomerado que possui pouca ou nenhuma concentração central, destacado das estrelas de fundo e moderadamente rico.

                O aglomerado é perceptível mesmo pela minha buscadora (10X50mm) mas se torna mais charmoso conforme aumento a magnificação. Visualmente considerei o melhor resultado obtido pela minha ocular de 17 mm (70,5 X). Assim resolvo a estrela dupla central e ainda possuo um campo interessante emoldurando o aglomerado.  Utilizando a 10 mm (120X) a estrela dupla central é ainda mais charmosa e bem separada. Não posso deixar de recordar-me de Ngc 5281 também em Centauros. 5460 parece uma versão maior deste. É uma impressão apenas. Ngc 5281 esta quase ao dobro da distancia. 
                O aglomerado reside a 2.300 anos luz e com isto podemos calcular que se espalhe por 23 anos luz. Estudos recentes apontam para uma idade intermediaria. 160.000.000 de anos.
                O aglomerado é bastante estudado especialmente porque aglomerados próximos permitem a compreensão de mecanismos que “freiam” estrelas as quais giram muito rapidamente já assentando na sequencia principal. Esta rápida rotação se dá como resultado da conservação do momentum angular durante esta fase final de contração a caminho da sequência principal. ( D.Barrado e P. B. Byrne). Parecem existir mais de um mecanismo agindo para se obter o mesmo resultado. A massa das estrelas é certamente um fator importante e mecanismos diferentes podem agir em aglomerados de diferentes idades. A curiosidade do Sapiens a serviço da astrofísica não deve ter sido um diferencial contundente no processo evolutivo que levou a extinção das outras espécies do gênero Homo. Mas certamente é fruto da tal revolução cognitiva.  Estas estrelas não deixarão de rodar mesmo que não acreditemos que elas giram. Mas mesmo assim sabemos disto. Deve ser algo muito duro para alguns poucos Sapiens que em razão desta mesma revolução cognitiva criaram mitos como uma Terra com apenas 6 mil anos... tanto os mitos como a ciência parecem ter sido uma exclusividade de nossa espécie.

                Localizar Ngc 5460 é bastante simples. Em locais de pouca poluição luminosa será possível suspeitar do mesmo com a vista desarmada. Em locais mias ingratos localize z Centauro e ele estará dentro do campo da buscadora. Mesmo em áreas muito ingratas com a estrela centralizada e utilizando uma ocular wide Field será uma fácil busca nos arredores.
                Ngc 5460 foi ainda um campo de provas para a capacidade de processamento de diversos softwares para tratamento de imagem que possuo. A captura foi feita de forma estabanada. Como era noite de lua (quase) cheia o alinhamento polar fora feito por aproximação e como membro do “Projeto Tudo que Existe” (já vai ser difícil observar visualmente todo o Catalogo Ngc. Se ainda tiver que fazer fotinho bonitinha vai ser ...) fiz apenas umas poucas fotos após observar o aglomerado. Não tomei notas e imagino que o produto final seja o resultado de empilhamento de menos de 10 exposições com menos de 30 segundos cada. As fotos do Projeto ficam geralmente esquecidas até que eu as reencontre e resolva apresentar os aglomerados no Nuncius Australis.
Resultado com o PixInsight

                Excepcionalmente Ngc 5460 acabou sendo   utilizada como uma primeira experiência com uma cópia do PixInSight LE que obtive.
                É uma versão freeware do poderoso soft. Mas não posso negar que apesar da experiencia ter sido bastante limitada o Pix me pareceu uma versão mais poderosa do Fitswork. Pelo menos no que se trata de remover o gradiente de fundo e de melhorar o ruído. As fotos originais foram empilhadas no Rot n Stack (o que já demonstra a total falta de compromisso no momento de captura). O delicado aglomerado não é muito mais do que se vê nas fotos por aqui... A interface não é tão amigável mas mesmo tendo apagado mais estrelas do que devia no processo de subtração do fundo creio que consiga melhorar os ajustes com pratica e paciência. Não posso negar que além de estrelas ele removeu vários hotpixels Esta primeira experiência foi apenas um reconhecimento. Vou dar uma pesquisada e ver alguns tutoriais. 
Fitswork e PS

Espero agora o tempo limpar para poder fotografar os Globulares Messier que faltam para um outro projeto em andamento. Tendo atualizado o Câmera Raw do meu Photoshop e com o Pix a disposição aguardo o “Paradoxo de Newgear” e a Lei de Murphy colapsarem para testar as possibilidades das novidades.
Imagino já ter chegado ao final do livro até lá. Os capítulos finais tratam da “Revolução Cientifica”.
               
               
               

                

segunda-feira, 5 de junho de 2017

M 10 : Um Nobre Globular

     


          Em vias de terminar meu projeto de fotografar todos os Globulares do catalogo Messier resolvi organizar a papelada e percebi que diversos destes DSO´s que já havia registrado não possuíam entradas independentes aqui no Nuncius Australis. Em particular os residentes em Ophiucus (que juntamente com Sagitário reúne a maior parte destes). No último post apresentei M 12. Assim não poderia deixar de dedicar o mesmo tratamento a M 10. No moderno clássico “Turn Left at Orion” (o qual recentemente finalmente observei todos os objetos listados...) estes se aboletam na mesma apresentação. E em muitos textos são citados como aglomerados irmãos.
            M 10 também é uma descoberta original de Messier e foi observado uma noite antes de M12 e uma noite depois de M 9. Por alguma razão que a própria razão desconhece estes serão apresentando em ordem decrescente e na contramão da história por este que vos escreve...
            Messier nos conta: “ Na noite de 29 para 30 de maio de 1764, determinei a posição de uma nebulosa que descobri na cintura de Ophiucus, próxima a trigésima estrela desta constelação de acordo com Flamsteed (os numeros Flamsteed continuam sendo muito utilizado para identificar estrelas visíveis a olho nu nas constelações e são utilizados depois que se acabam as letras gregas). Tendo examinado esta nebulosa com um telescópio gregoriano com 104X de ampliação não via estrela alguma; esta é arredondada e bela, com um diâmetro de 4 minutos de grau.  Ela percebe-se dificilmente com uma luneta comum de um pé (33 cm) ... Eu marquei esta nebulosa sobre a carta da rota aparente do cometa que observei no ano anterior”
            Como já é um a tradição aqui no Nuncius Australis apresentarei a seguir as clássicas observações de M 10 realizadas pela família Herschel e posteriormente a observação feita pelo Admiral Smyth no que foi o mais popular guia observacional do século XIX (“The Cycles of Celestial Objects”):
            “ Um Aglomerado muito belo e extremamente concentrada e sem nenhum traço de nebulosidade” (William Herschel)
            “Um soberbo aglomerado de estrelas bem concentrado, gradualmente mais brilhante em direção a seu centro. As estrelas estão entre 10a e 15a        magnitude e se dirigem para um clarão em seu centro. Um nobre objeto” (John Herschel)
            “ Rico aglomerado de estrelas condensadas. Este nobre fenômeno é de um matiz branco lúcido levemente atenuado em suas margens e se concentrando como um clarão em direção a seu centro. ”
            Podemos perceber que Smyth sempre é muito influenciado pelas impressões de John Herschel. A quem idolatrava...
            Aprofundando um pouco as pesquisas chegamos a Lorde Rosse que possuidor do maior telescópio do período clássico da astronomia nos conta que “ o aglomerado possui uma linha escura acima de seu centro ou melhor no seu sexto superior o que o torna muito mais tênue que o resto do conjunto”.
            Autores mais atuais como O ‘Meara notam regiões mais escuras ao longo do halo externo de M10, mas nada como descrito por Rosse. Com menos aumento O ‘Meara nos diz que “ as estrelas do halo externo possuem um brilho azul gelado enquanto sua região mais central apresenta uma luz salmão pálida. Parece até um decorador de interiores descrevendo o aglomerado... este também considera M 10 um alvo facilmente percebido com a vista desarmada. Segundo ele basta se perceber 30 Ophiuchi com visão direta e nossa visão periférica irá perceber claramente M 10. Stoyan é mais modesto e diz ser possível perceber M10 a olho nu em céus excepcionalmente favoráveis.  Burnham em seu “Celestial Handbok” dedica alguma atenção a aglomerado.
            Observando com o Galileu (meu refrator 70 mm f13) ou com meu binóculo 15X70 mm não chego a resolver estrelas e me inclino a concordar em gênero, número e grau com a descrição original de Messier...
            Observando com o Newton (meu refletor 150 mm f8) resolvo estrelas na sua parte externa facilmente. O aglomerado cobre facilmente 8´de diâmetro e é bem mais evidente que M 12. Não percebo cor.  Na foto feita (pouco mais de 10 exposições de 30 segundos com ASA 3200. Este é um cálculo aproximado já que a foto foi realizada ha mais de um ano...)  não percebo a diferença de gradiente descrita por Rosse, mas as regiões mais escuras são evidentes. Estou mais a concordar com Stoyan e acreditar que M 10 seja viável a olho nu no Atacama. Ou no semiárido. Estive em uma fazenda próxima a Ibotirama há alguns anos e o céu era impressionante. Mas mesmo assim somente para olhos treinados e sóbrios...
            A distância de M 10 é alvo de certa discordância entre os diversos autores. O ‘Meara nos dá modestos 14.300 anos luz. Já o mais antigo Burnham nos apresenta várias opções; Shapley (1933) o leva a distantes 33.000 anos luz. Kimnan o considera mais proximo que M13 e o situa a 16.000.  Já Sawyer (1963) aposta em 22.000 anos luz. Atualmente e depois do Hiparchos a distância aceita é de 24.750 anos luz (Stoyan). Seu tamanho é de 140 anos luz.
            Detalhados modelos dinâmicos “preveem” um colapso do núcleo de M 10 em alguns bilhões de anos. Isto vai levar a uma extrema concentração estelar em seu núcleo e mudar sua aparência. Algo me diz que surgirão mais estrelas variáveis que as poucas registradas até agora.

            Localizar M10 é basicamente localizar 30 Ophiuchi. Em locais escuros muito fácil. Na cidade parta de Zeta Ophiuchi e localize 30 com auxílio de uma buscadora ótica. O aglomerado se apresenta para uma buscadora 10X50 mais facilmente que M 12 logo ao lado.... De céus suburbanos (Bortle 6) é bem fácil. Na cidade grande é possível...


            Aproveite proximidade de M 12 para perceber como globulares são diferentes entre si. Este não só não sofrerá colapso de seu núcleo como poderá acabar se dissipando devido à baixa densidade de seu núcleo e da proximidade do núcleo galáctico.