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terça-feira, 25 de julho de 2017

Duas Noites com Monsieur Messier

          


            Quem já acompanha o blog deve conhecer o significado de “Aporema”. É, supostamente, uma festa que ocorre 4 vezes ao ano. Sempre na primeira lua nova após os equinócios e os solstícios. É uma data meio “ Mandrake”. As vezes acontece na primeira lua nova e as vezes na segunda e as vezes ainda nem é lua nova. O que importa é que neste evento o objetivo é ver longe. Aporema significa “aquele que vê longe”. A origem da palavra é obscura. Tem origem tupi. Já no terreno das lendas o nome parece ter surgido em homenagem ao Cacique Aporema (que deve ter possuído uma visão muito acurada). Foi ele um Cacique Tupinambá e chefão na região nos arredores do que hoje é a Armação dos Búzios. Na antiga Armação dos Peixes habitaram José Eustáquio e Silvano Silva. São estes os autores do Primeiro Catalogo de nebulosas das terras tupiniquins (Posteriormente conhecidas como Brasil). José Eustáquio foi um grande pescador e desta forma aprendeu a navegar pelas estrelas. De alguma forma possui um telescópio naquele refúgio de piratas que era a região. Silvano Silva foi um padre sem vergonha que de tanta sem vergonhice acabou indo catequizar naquela região durante o sec. XVIII. Deste improvável encontro nasceu o Catalogo J.E.S.S de Nebulosas e Objetos Estelares. Antes de sair fugido da Europa este conheceu Charles Messier e foi respeitado astrônomo. Graças a ele José conheceu o que hoje é chamado de Catalogo Messier. Silvano Silva parece ter se inspirado em Herschel e não inclui nenhum objeto Messier na sua versão do Catalogo J.E.S.S.
            Creio ser o único que ainda comemora as quatro Aporemas do ano. Por isto a data é móvel. Depende tanto do clima ( que tem que estar livre de nuvens) como da minha disponibilidade. Seja financeira seja temporal. E como quando tenho muito tempo tenho pouco dinheiro a data se torna quase quântica...   
            Este inverno a “Aporema” foi dedicada a Monsieur Messier. O Catalogo Messier possui entre 103 e 110 “nebulosas” dependendo da fonte. O “original” e publicado pelo próprio possui 103. Burnham em seu “Celestial Handbook” considera 104. E muitos consideram 110. Embora entre estes existam “entradas póstumas” que certamente não foram observados por Messier (O eu profundo) mas somente por Méchain (os outros eus...) e talvez um objeto repetido.
            Muitos (nem tantos) vão dizer que os “Objetos Messier” são batidos. É verdade. Mas também são os mais belos e interessantes DSO´s ao alcance do amador. Juntamente com o catalogo Lacaille e os “ 100 de Dunlop” formam o que de mais belo há no céu. Completando esta lista pode-se incluir os “400 de Herschel”.  Juntando-se tudo e não levando em conta as figurinhas repetidas se chega quase 600 DSO´s ao alcance de um bom refrator de 90 mm ou de um refletor de 150 ou 200 mm (com o 200 fica mais fácil...). Claro que quando se inclui as entradas de Herschel um céu escuro será mandatório.
            Parti em direção das terras tupinambás no dia 21 de julho de 2017. Lua Nova e segundo o “METEOBLUE” (um site meteorológico) a única noite que teria não apresentaria nenhuma cobertura de nuvens. Meteorologia não é uma ciência exata.
            Cheguei no posto avançado do Nuncius Australis as 17: e qualquer coisa. Com minha derrota planejada sabia que poderia ter mau alinhamento polar feito com o auxílio luxuoso de Alpha Centaurus as 18:34:21. Assim o foi. Antes do twilight astronômico.
            Depois foi só realizar o alinhamento do Synscan (uma espécie de piloto de bordo de minha cabeça equatorial) de Mlle. Herschel, a minha cabeça equatorial HEQ 5 pro, utilizando o método de “two star aligning”. Com o tempo vou percebendo que a escolha destas estrelas vai determinar a precisão do “Go-to”. No manual de Mlle. Herschel são apresentados alguns parâmetros para que isto ocorra, as estrelas devem estar do mesmo lado do meridiano, possuírem uma distância entre elas mínima e etc... Pode ser verdade. Mas já sei que nesta época do ano uma dupla infalível é Antares e Arcturus. Não respeitam as regras escritas. Antares ainda se encontra a leste e antares a oeste do meridiano. Mas todos os objetos que peço para a moça aparecem dentro do campo de meu sensor da Canon T3. E com sobras em minha ocular 40 mm. 
            Um dos objetivos do evento seria abater o maior número de globulares do catalogo Messier que ainda não tenha fotografado. Acabei por me esquecer de M53. Mas os restantes foram vitimados. Se quiser completar meu objetivo de fotografar todos os globulares do catalogo até o fim do ano terei que fotografar M 53 da Stonehenge dos Pobres o mais rapidamente possível. Faltam este e M72 para tal.
            E apesar da derrota planejada incluir algumas galáxias de Virgo a verdade era que feito os globulares o resto seria “ Messier”. E com Sagitário alto no céu vários clássicos seriam revisitados.
Um outro objeto que era quase obrigação seria M57. A Nebulosa do Anel. Em um futuro post apresentarei os motivos.
Apesar do METEOBLUE a noite acabou por abrir. Mas com uma transparência bem medíocre. Muita úmida.
Astrônomos amadores acabam por ver nuvens onde a maioria da humanidade vê um céu claro.

M3 - 12 X 30 Seg 1600 asa

Começo a noite de forma feliz. Depois de ajustar o foco da câmera em Arcturus envio Mlle. Herschel em busca de M 3. Ela chega quase “dead center”.   Apesar da transparência e do objeto baixo no horizonte noroeste percebo esta discretamente pela ocular. Foi o primeiro objetivo.



M 5 -9 X 30 seg 1600 asa

Depois M5 toma o mesmo caminho.  E na sequencia M 92.

M 92 11x 30 seg 

A transparência começa a piorar e ainda por cima Mlle. Herschel acaba por tropeçar em uma das pernas de seu tripé quando em busca de M 57. Lá se vai o alinhamento do Synscan.
Antares e Arcturus não são mais uma opção viável para refaze-lo. Arcturus já vai baixa demais no Oeste. Tento várias combinações e não consigo mais a mesma precisão no “Go-to”, posso adiantar que nada combina bem com Altair...  
Hora de partir para o lado mais fácil. Em Sagitário achar algo é bem fácil. M 17 está no campo da buscadora e claramente visível. É, quiçá, minha nebulosa favorita. Embora não tão majestosa como a Trilogia composta por Eta Carina, M42 e M 8 ela é um espetáculo. Não é à toa que possui dois apelidos muito apropriados. O Cisne e Ômega.  Faço dezenas de exposições.


M 17 33X 25 seg 3200 asa

Finalmente me converti a captura em RAW. Mas acho que ainda falta aprender algumas coisas. Ao importar as imagens para o DSS percebo que este me informa que são “light frames” RAW Gray. As fotos são em escala de cinza. Para tirar cor destas é terra incógnita. Outro detalhe importante é que meu “novo” lap top tem 1 T de HD. E na dúvida capturo todas as imagens tanto em Jpeg como em RAW. A câmera permiti isto. No final da noite possuir 400 arquivos de imagem é a regra.
O fim da noite será clássico. Perco para a condensação. Finalmente o “Newton” (meu refletor 150 mm f8) se encharca e nada mais é visível. Será um problema recorrente. A parte externa do tubo do telescópio costuma apresentar “sereno”. Mas quando as partes internas (leia-se o espelho primário) embaça fica difícil. Aprendi algo interessante e certamente ligado as leis mais fundamentais do universo. Quando fotografando objetos no zênite o primário embaça mais rapidamente do que com o tubo ótico em posição menos favorável. Já falei a respeito dos processos que levam a esta pedra nosapato dos observadores. No inverno estes se acentuam...
Para encerrar coloco o Newton para secar e tento algumas fotos com minha lente 75-300 mm., mas o tempo já ia nublando, a condensação se instalava rapidamente na lente também e eu estava exausto...
Segundo a meteorologia o sábado seria bem nublado na parte da noite. Mentira!
Depois de um dia de praia fracassada devido ao vendaval (mas com muito sol) e de apostar que não observaria acabei, à tarde, fazendo churrasco e bebendo várias cervejas. A noite anoitece muito mais clara que a anterior. Murphy é um FDP.
Ao perceber o equívoco monto a Mlle. Herschel (o tripé tinha ficado no lugar) e ainda meio embriagado alinho o Go-to novamente com minha dupla vencedora. Murphy pode ser um safado, mas eu sou pé quente.
O Sábado acaba rendendo mais que a sexta e a transparência, embora não perfeita, estava boa. Tudo que ficara pendurado é abatido.
M 16 -61X 30 seg 1600 asa

Um objeto que queria re-fotografar foi o começo da noite.  M 16. Os resultados ficaram aquém do esperado. Queria utilizar a foto para seguir ao pé da letra um tutorial do Samuel Muller sobre o PixInsight. Com 61 capturas de 30 segundos com ASA 1600 empilhadas no DSS eu rapidamente percebo que não vai dar certo. Visualmente é um aglomerado aberto que para quem sabe possui regiões onde percebe-se um tom mais negro de negro. Uma espécie de versão às avessas do clássico do Procol Harum.
Nesta noite tive visitas. Um amigo e duas “filhas postiças”. Saturno sempre faz sucesso.


M 57 - 44X 30 seg 1600 asa

Na empolgação acabei por esquecer de M 53. Na verdade esqueci deste glob na derrota programada. E assim parti direto para M 57. Na véspera esta me deu uma rasteira e errar uma vez é humano. Duas...
M 71 - 19X 30 seg 1600 asa


M 56 outro glob na mira. Mais um para o projeto "Globulares Messier". Discreto na buscadora. 
M 56 - 11 X 30 seg 1600 asa


Com a planetária capturada parto para M 71. Visualmente difícil e invisível na buscadora.
Depois disto tento a sorte em C 33 (escolhida ao acaso no Stellarium). Uma grande galáxia, mas que certamente demanda céus mais escuros e uma transparência mais generosa. Tiro duas fotos e vejo que será perda de tempo. E assim voltamos a Sagitário. No inverno é inevitável.


M 20 30X 30 seg 1600 asa

M 20. A Trífida. E erro duas vezes. Muito próxima a zênite e lá vem a condensação. Novamente parto para a 75-300 mm. Mas agora mais embriagado a região de Antares ficou meio fora de foco. Fim de jogo.
Anatres Regio 

Como não poderia deixar de ser a meteorologia erra de novo e no domingo (que deveria estar nublado desde cedo) se revela a melhor noite. Mas eu percebo isto já no meio da Via Lagos e já engarrafado na estrada.


Foram duas noites na companhia de Monsieur Messier. Sempre muito agradável e com os DSO´s mais camaradas em volta de nós.  

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