Translate

domingo, 29 de outubro de 2017

M 56 , Catálogos e Guias Observacionais


             A noite de 19 de janeiro de 1779 deve ter sido bem agitada no Observatório de Cluny. Charles Messier descobriu um cometa e logo em seguida se deparou com outro suspeito. O cometa era um cometa mesmo. E já havia sido observado por Bode em 6 de janeiro (quase duas semanas antes). Como naqueles tempos pré-telegrafo as notícias viajavam em um ritmo tão lento que poderiam chocar aqueles que nasceram nos tempos da “internet discada” ele não sabia disto.
                Já o suspeito não era um cometa. Ao retornar na noite de 23 de março para inspecionar o elemento este percebeu que a pequena bola enevoada não havia se movido em relação as estrelas e logo tratava-se de mais uma nebulosa.   E assim acabou se tornando a entrada de número 56 de seu catalogo de “impostores de cometas”.                
                Messier o descreve da seguinte forma (temo parecer um pouco repetitivo): “[Observação de 23 de janeiro, 1779]. Nebulosa sem estrelas, a qual é muito tênue. M. Messier descobriu esta precisamente no mesmo dia que descobriu o cometa de 1779, em 19 de janeiro. No dia 23 determinou sua posição por comparação com Flamsteed 2 Cygni. Repousa próxima a Via-Láctea e próxima a uma estrela de 10a magnitude.  M. Messier marcou sua posição na carta para o cometa de 1779”.
                Este cometa foi acompanhado por diversos astrônomos e ao longo de sua orbita foram encontradas diversas nebulosas que adentraram o Catalogo Messier (M 56, M 57, M 58, M 59, M 60 e M 61). Messier não publicou esta carta até 1782 e incluiu diversas nebulosas de seu catalogo na mesma.           

Parte ampliada . Podemos perceber as posições de M 56 e M 57 plotadas.

                M 56 é uma entrada discreta nos guias observacionais clássicos.  Dito isto gostaria de abrir um parêntese a fim de apresentar algumas conclusões que cheguei ao longo de vários anos explorando os céus, sua história, seus catálogos e seus guias observacionais.
                Os ditos catálogos são a matéria prima para o moderno astrônomo amador. A maior, senão todas as maravilhas celestes ao alcance destes foram descobertas e registradas nos que vou chamar de Catálogos Clássicos. Nestes todos os objetos são descobertas ou redescobertas de DSO´s originais. Estes autores mapeiam de fato os céus e são verdadeiros pioneiros celestiais.  No meu entender podemos iniciar a lista de Catálogos Clássicos com o Catalogo Lacaille. Embora seja discutível que esta poderia começar com o catalogo deixado por Hodierna ( que só foi “descoberto” nos anos de 1980) e posteriormente incluída também a pequena lista feita por Halley ( sete objetos. ). A seguir vem o mais clássico de todos eles e chegamos ao Catalogo Messier. Depois surge o embrião do General Catalog (que embora embrião é a maior parte deste) e as 2500 nebulosas descobertas por William Herschel, com o auxílio luxuoso de sua irmã Caroline, que amplia em muito o nosso conhecimento do universo. Depois disto, especialmente para os habitantes austrais, deve-se incluir o catalogo elaborado por Dunlop e finalizando esta fase áurea os Objetos descobertos por John Herschel (filho de William) que conclui o trabalho de seu pai e dá corpo a General Catalog em si. Posteriormente tudo isto e mais um pouco é organizado por Dreyer e surge o mais utilizado e completo catalogo em uso hoje em dia. O New General Catalog , chamado pelos íntimos de NGC.   
                Depois deles vem os chamados Guias Observacionais clássicos. Os dois mais importantes e que, com poucas exceções, são os únicos que consulto são o “Cycles of Celestial Objects” e o “Celestial Objects for Common Telescopes” do Admiral Smith e do Rev. T.W. Weeb respectivamente. A título de justiça “Evenings with the Stars” de Mary Proctor e o “Astronomy with na Opera Glass” do Serviss são também historicamente importantes. E as vezes me lembro de visita-los.                                  “Cycles” é um belíssimo trabalho e Smith é mais prolixo e poético em suas apresentações. Mas o trabalho de Weeb traz a grande vantagem de já adotar a numeração do New General Catalog na apresentação dos objetos. E para o astrônomo amador atual o formato do antigo General Catalog (adotado por Smith) com sua notação Herscheliana é quase como ler hieróglifos.
                Depois destes dois e provavelmente o primeiro Catalogo moderno à altura destes e que nos traz para o século 20 é o magnifico e completíssimo trabalho de Burnham  . “The Burham´s Celestial Handbook” marca o começo de um outro tempo para os guias observacionais. O Próprio Burnham nos diz o porquê em poucos parágrafos de sua curta introdução (em uma tradução livre): “Este (o “Celestial Handbook”) pretende ser o catalogo padrão e o detalhado guia descritivo de muitos milhares de objetos observáveis para amadores com telescópios de 50 a 300 mm. Seu domínio é todo o universo além do sistema solar. E vai lidar com os objetos celestiais hoje em dia conhecidos com “objetos de céu profundo”. Diversos livros foram produzidos no passado tratando da matéria sendo o mais completo e bem-sucedido o “Celestial Objects for Common Telescopes” (ele se refere especialmente a versão revisada lançada pela Dover em 1962. O Original é de 1894).
                Ao lado do obvio fato que todos os livros mais antigos se encontram muito datados e desatualizados cosmologicamente existem outras razões porque um novo Guia Observacional se faz necessário. A Primeira é que os primeiros guias foram escritos para possuidores dos telescópios padrões em 1900. Estes seriam em sua maioria acromáticos de até 75 mm. Hoje em dia o telescópio padrão pode ser considerado refletores com algo entre 150 e 300 mm.  Isto abriu um imenso mundo de DSO´s para o amador.
                Em segundo lugar o imenso aumento do conhecimento astronômico causou uma mudança no foco de interesse dos amadores nas últimas décadas. Os antigos guias se concentravam muito em objetos mais locais como estrelas duplas e variáveis e as nebulosas e aglomerados mais espetaculares eram incluídos, mas sua descrição se limitava em muito ao visual já que carecíamos de fatos. galáxias não eram sequer mencionadas como tal já que desconhecíamos a natureza das “Nebulosas espirais”. “
                E assim nasce o “Burnham´s celestial Handbook” que embora hoje também já levemente datado é o mais completo e interessante guia observacional que conheço. Um eterno favorito. E como trata-se de um guia observacional e não de um livro de cosmologia suas informações continuam, no geral, completamente validas.     Uma distância aqui e uma idade acolá não me parecem falta grave.   
                A partir do Burnham o mercado editorial cresceu muito e os guias foram se tornando mais especializados e/ou mais completos.  Entre os completos eu indicaria o         “Webb Society Deep Sky Observer´s Handbook “. Este um guia observacional por excelência. Cinco Volumes englobando quase tudo que existe. Cada um dedicado a um DSO especifico. (Estrelas duplas, Galáxias, Aglomerados, nebulosas planetárias e Aglomerados de galáxias). Apresentação descritiva de todos os objetos por diferentes equipamentos. Outro na mesmo linha é “Observing Handbook and Catalogo f Deep Sky Objects” de Lunginbuhl e Skiff. Embora bem mais conciso trás o que pode-se chamar de “o filé”.
                Depois disto temos os que chamo de Guias temáticos. O modelo padrão é a série “Deep Sky Companions” do O´Meara. Cada um vai abordar um catalogo especifico e são livros que além de apresentarem uma descrição visual irão adentrar pela história e cosmologia de cada um dos objetos além de impressões de cunho mais pessoal. Algo que remonta até Smith.
                De volta a M56 este é um objeto que tem modesta descrição tanto no “Cycles” como no “Common Telescopes”.  Abaixo sua apresentação no “Cycles”.

A apresentação de M 56 no "Cycles". Pode-se perceber um pequeno erro de Smith. M 56 foi descoberto por Messier em 1779.  Quando ele fala em uma profundidade de "344th order" significa que Herschel calculou a distancia do aglomerado como 344 X mais distante que Sirius. 


                Já Webb nos diz que “Mais para o tênue, talvez resolvível com minhas 3 7/10 polegadas, em um belo campo em rica região.  Entre 3o e 4o de Beta Cygni”.

                É curioso que Webb tenha tido a impressão de resolver M 56 com tão modesto telescópio. Me parece muito otimista.  Lunginbuhl em seu conciso, porém realista “Handbook” nos diz que o mesmo é “visível um telescópio de 60 mm em um rico campo com uma estrela de 10a magnitude no canto oeste. Com um 150 mm ele é granuloso com 50 X de aumento e começa e se resolver parcialmente            com mais aumento... Se resolve completamente com 200X em um aparelho de 250 mm”.
                Minhas observações me levam a concordar em gênero, número e grau com as descrições de Luginbuhl. Mesmo sendo um aglomerado pouco denso não vejo a menor chance de solução com nada menor que 150 mm.
                M 56 é um globular da classe x na escala Shapley. Isto faz dele o terceiro menos concentrado globular do Catalogo Messier. É mais denso apenas que M 55 e M 71.  Com uma orbita bem excêntrica, porém pouco inclinada M 56 pode estar a 40.000 anos luz do centro galáctico para daqui há alguns milhões de anos se encontrar a pouco milhares de anos luz do mesmo. No momento está na parte mais externa de sua orbita e se encontra a 27.000 anos luz de nós.  No ano 2000 foi descoberta uma “cauda” de raio x que segue M 56 em sua orbita. Isto pode indicar uma interação entre este e o gás existente no halo galáctico conforme este se move. Mas é um caso em estudo...
                Com cerca de 200.000 massas solares (segundo Stoyan. Outro guia nos moldes atuais . Trata do Catalogo Messier e é um primor...) não chega a ser um grande aglomerado. Sua estrela mais brilhante atinge magnitude 13. Sawyer-Hoog calculou uma magnitude média de 15.3 para as estrelas mais brilhantes de M 56. Sua estrela mais brilhante é uma variável do tipo RV Tauri. Foram encontradas mais 5 estrelas do tipo no globular. Estas estão presentes também em Ômega Centauro, M2, M 5, M10 e M 28.


                Localizar M 56 não é difícil. Geralmente parto de Albireo (Beta Cygni) em direção a Vega (Alfa Lyra) junto a buscadora. E acabo esbarando por ele enquanto passeio pelos belos campos estelares da região. Ele será percebido como uma pequenina bola de algodão com 10x5omm.
                 As fotos aqui apresentadas foram resultado do stacking de 22 fotos com 30 seg de exposição ASA 1600 . Foram utilizados 6 dark frames para calibragem. A foto que abre o post passou por u processo de 2 Drizzle no Deep Sky Stacker e posteriormente teve seu gradiente resolvido no PixInsight. A foto que passou pela astrometria não passou pelo drizzle e foi tratada no Fitswork. 

                O´Meara o considera M 56 seu “impostor de cometas” favorito. Não posso negar que ele se presta realmente bem ao papel.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário