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domingo, 12 de novembro de 2017

M 20 e a Nebulosa de Porter Mason

              
             M 20 é um dos DSO´s mais famosos de todos os céus. É um conjunto de diversas estruturas como a maior parte das nebulosas galácticas. Uma das mais ricas ao alcance de pequenos telescópios. E um daqueles poucos, que havendo uma combinação favorável no tempo e no espaço, poderá apresentar algum colorido para a visão dos amadores. Ou pelo menos mimetizar isto. Pode ser efeito de seus grandes contrastes. Ao combinar luz e trevas ela faz o truque. Assim como a mais difícil de se observar “Nebulosa Cabeça de Cavalo”.  A Cabeça de Cavalo é resultado de uma nebulosa escura a frente de uma nebulosa de emissão. A mistura de IC 434, uma nebulosa de emissão, com uma nebulosa escura (B 33) é que torna possível se perceber o formato característico e que batiza a região. É um caso típico do todo sendo identificado pela parte.
                M 20 é um caso tão complexo quanto a região no entorno de Alnitak em Orion. Neste recanto de Sagitário temos uma nebulosa de emissão, uma nebulosa de reflexão, um aglomerado aberto e uma nebulosa escura bordando a paisagem. A nebulosa escura que é responsável pela aparência que nomeia a região é também uma entrada do Catalogo de nebulosas escuras organizado por Barnard (B 85).    
                Ela é incluída em diversos catálogos. Em alguns apenas a nebulosidade é o registro (Sh 2-30). Em outros se considera o aglomerado que a ilumina como sendo o alvo principal (Cr 360).  
                Algumas fontes irão atribuir a descoberta de M 20 a La Gentil. Mas é hoje opinião amplamente aceita que a observação de Gentil seja um mal-entendido e este tenha visto na verdade M 8.  Bigourdan, já no final do Sec. XIX, parece ser o responsável pela confusão.  
                Messier parece ser o primeiro a registrar o aglomerado que habita a região. M 20 não nasceu como “A Nebulosa Trífida”. Messier nos fala na sua 20a entrada, em observação realizada em 5 de junho 1764, de “um aglomerado de estrelas, levemente acima da eclíptica, entre o arco de Sagitário e o pé de Ophiuchus.” Posteriormente Messier observa M 20 novamente em 22 de março de 1781, mas não acrescenta nada de novo.
                William Herschel é o primeiro a perceber com certeza nebulosidade na região. Mesmo observando da Inglaterra.  Sua latitude muito austral faz de M 20 um alvo ingrato para os observadores muito boreais. Webb no “Celestial Objects for Common Telescopes” nos diz que o objeto foi pobremente observado tanto por ele como por Smyth. Na verdade, este último sequer apresenta uma entrada própria para o conjunto que é apenas citado vagamente na apresentação que este faz de M 23. Tenho a impressão que Smyth não chegou a observar M 20 de fato. Ele fala em um aglomerado cruciforme que Messier suspeitava ser cercado por nebulosidade.
                De volta a Herschel, com seu maior poder de fogo, é o primeiro a perceber algo da natureza tríptica de M 20. “Três nebulosas, fracamente unidas, formam um triangulo. No meio há uma estrela dupla.” Posteriormente (26 de maio 1786) ele acrescenta uma nota falando de uma parte ao norte separada.
                Seu nome mais popular “A Nebulosa Trífida” remonta a John Herschel que dando continuidade ao trabalho de seu pai a observa da Cidade de Cabo. “Trífida, três nébulas com um vácuo por entre as brumas, no qual está centralizada uma estrela dupla. “
                É curioso que John não tenha percebido a quarta parte (a mais ao norte) citada por seu pai observando de latitude tão favorável.
                Mas o azar de um é a sorte de outro. Na mesma época que John Herschel desenvolvia mapas descritivos de nebulosas visando perceber alterações nas mesmas e dar suporte a hipótese nebular um jovem e quase desconhecido astrônomo americano vinha desenvolvendo um trabalho semelhante e de forma independente.
                Dizer que Ebenezer Porter Mason foi um cara de sorte é uma mentira deslavada. Ele foi uma daquelas figuras geniais e marcadas pela tragédia. Um gênio precoce que na história recente me recorda Noel Rosa.  
                Para se confirmar ou não a hipótese nebular desenvolvida por William Herschel (que defendia que estrelas se formavam pela contração e condensação do fluido nebular) era necessário que criassem mapas confiáveis para comparar-se a estrutura das nebulosas ao longo do tempo.
                Porter Mason criou uma técnica que permitia uma precisão incrível e uma proposta original no registro de nebulosas.  Ia o ano de 1839. Ele se utiliza de linha de isofotons ou linhas de igual brilho para registrar as nebulosas por ele escolhidas para sua tese e legado. A técnica de isolinhas é muito utilizada em mapas topográficos.
                Mason, em sua curta vida, (1819-1840) foi um prodígio desde a mais terna infância e aos 16 anos adentrou em Yale.  Lá construí diversos telescópios e finalmente acabou construindo aquele que foi o maior telescópio nos Estados Unidos durante sua curtíssima passagem por aqui. Um refletor Herscheliano de 300 mm.
Desenhos de Porter Mason -M 20

                Com este ele observou M 20 durante 6 noites em julho e agosto de 1839.  Durante as duas primeiras noites ele percebeu apenas a mais conhecida e brilhante nebulosa de emissão que forma a parte sul de M 20 (Ngc 6514) “onde percebem-se as três fendas que a dividem sem nenhuma dificuldade.  Então na noite de 7 de agosto ele vislumbrou a parte norte desta e que hoje sabemos tratar-se de uma nebulosa de reflexão. Embora a pequena nota de William Herschel, Porter é o primeiro a registrar de forma gráfica esta sessão da nebulosa.  “eu e Sr. Smith que a grande estrela imediatamente adjacente (à nebulosa principal) estava cercada com uma nebulosa distinta não muito inferior ao brilho da Trífida.  Não podia ser negligenciada e foi percebida no primeiro vislumbre do campo. Seus limites são quase tão grandes quanto os da nebulosa Trífida com os quais está quase em contato.  Parece-me que M 20 é a primeira nebulosa onde Mason utiliza suas linhas de “isofótonicas”. Parece também ter sido a única. Embora um desenhista muito competente o único registro deixado por ele com esta técnica foi de M 20. As outras nebulosas por ele estudadas a fundo foram a Porção Leste da Nebulosa do Véu (Ngc 6992 e 6995) e M 17
                Infelizmente em pouco mais de um ano depois ele perde sua batalha para a tuberculose. Ebenezer Porter Mason falece na noite de 26 de dezembro de 1840. Com 21 anos.
Em 1841 é lançado seu grande legado ““Observations on nebulae with a fourteen feet reflector, made by H.L. Smith and E.P. Mason, during the Year 1839”.  Neste estão todos os seus desenhos bem como o apanhado de técnicas que ele utiliza para realiza-los. E diversas conclusões...
                Porter Mason, em sua curta vida, parece ter impressionado a muitos. O próprio John Herschel rasga elogios ao rapaz e seu professor e mentor em Yale Denison Olmsted escreve uma bela biografia onde resgata seus maiores trabalhos (Life and Writings of Ebenezer Porter Mason: Interspersed with Hints to Parents and Instructors on the Training and Education of a Child of Genius).
                Sua observação da parte norte de M 20 acabou por tornar esta pequena área de M 20 também conhecida como a “Nebulosa Porter Mason”. Este apelido parece ser fruto de observações feitas 40 anos depois de sua morte por Swift, que ou confunde as coisas ou vê algo que não foi até hoje revisitado. Ele nos diz: “Para minha extrema surpresa eu detectei ainda uma outra grande nébula que segue próxima a Trífida, a qual, é estranho dizer tem também um caráter tríptico.  E que possui uma língua ou uma conexão como “Nébula de Mason and Smith”.
 É importante lembrar que na dupla Smith era o rico que permitiu custear o  telescópio de 300 mm ( foi talentoso astrônomo também e segue uma bela carreira. Não confundir com o Admiral Smyth que foi autor do “Cycle of Celestial Objects” e sócio aqui no Nuncius Australis). Mas Mason foi o prodígio... Foi ele o responsável pelas observações e desenhos.
A porção da nebulosa a esquerda da foto é a "Porter Mason". Esta foto  é resultado de 28 exposições de 30 Seg. 1600 ISO Julho de 2017. Foi destacada a região em questão. Fotos capturadas em RAW e tratadas como escala de cinza.A foto que abre o post foi realizada em Julho de 2015. Não recordo mais quantas exposições...
                Tendo chegado até Mason através do “Observing and Cataloguing Nebulae and Star Clusters: From Herschel to Dreyer’s New General Catalogue” escrito por Wolfgang Steinicke fiquei curioso sobre como estes detalhes de M 20 me haviam passado. E fascinado pela figura poética de Porter Mason vou atrás de algumas fotos recentes que tinha feito de M 20.  Com alguns ajustes no Photoshop e ressaltando o brilho da porção “Porter Mason” de M 20 eu achei que Swift pode apenas ter  se emocionado um pouco com o que viu. Com o auxílio da fotografia eu consigo entender que a porção norte de M 20 tenha mesmo um caráter de tríptico em escondido por ali. Nada tão evidente com sua porção principal, mas regiões escuras fazem um recorte interessante e passível de imaginação pelo observador. E creio que esta região não tenha sido incluída no que Barnard denominou como B 85.

                M 20 é um objeto riquíssimo e que demanda noites e noites de observação para revelar todas as suas nuances. Mesmo registros fotográficos serão distintos dependendo do que se decidir buscar neste celeiro de estruturas celestiais que atende em conjunto pelo nome de M 20. Observar a “Porter Mason” é um objetivo possível para donos de pequenos telescópios . Mas demanda atenção e especialmente não ser distraído pela porção mais óbvia e brilhante do conjunto da obra. Um excelente exercício para o astrônomo visual obstinado...  

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