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sábado, 29 de dezembro de 2018

M 53: Um Globular na Cabeleira de Berenice


        

         Depois de alguns meses de hibernação o Nuncius Australis volta a ativa. Nada melhor para este exercício que apresentar M 53. Trata-se de um globular do catalogo Messier. O penúltimo de minha coleção. Resta somente capturar M 72 em Aquário. Infelizmente este terá que aguardar pelo ano de 2019.   
            M 53 foi observado em julho do ano passado, porém como o segundo semestre foi bastante tumultuado aqui pelo Nuncius e também no país inteiro este ficou na reserva até o momento.
            Mas como o objetivo aqui é astronomia e não divagação sobre como a política pode revelar o que de pior existe na humanidade vamos ao que interessa. M 53.
            Observando sob céus bens escuros M 53 não chega a ser um espetáculo. Embora relativamente grande ele apenas ameaça se resolver em suas bordas com visão periférica. De locais de muita poluição luminosa será apenas uma impressão. Graças a três evidentes estrelas no campo você será capaz de ter certeza de sua posição e aí então desconfiar de sua presença em céus urbanos. Isso com um telescópio de pelo menos 90 mm e nada mais que uma pequena bola de luz enevoada e tênue. Observei M 53 pela primeira vez há muito anos atrás com o Galileo (meu refrator 70 mm f 13) a partir de Búzios.   Alguns autores entusiasmados alegam ser possível perceber M 53 com binóculos 7X 50 mm. Pela buscadora do Newton (meu refletor 150 mm f8) eu o percebo quase estelar e bastante discreto. Mesmo assim com muito esforço. Novamente em céus escuros (abaixo de Bortle 4). Não espere resolver nenhuma estrela com menos que 150 mm de abertura.  Sua região central, ainda que sem se resolver, possui um formato triangular bastante evidente e percebido por diversos autores. As fotos aqui apresentadas e minhas observações sustentam esta impressão.

Foto com 2 drizzle . DSS + PI . A Foto que abre este post é resultado da mesma captura mas não foi submetida a Drizzle durante o processo de empilhmento no DSS. E foi também tratada no Photoshop. 

            M 53 foi descoberto por Bode em 3 de fevereiro de 1775. Messier o redescobre de forma independente em 26 de fevereiro de 1777. E comenta: “Nebulosa sem estrelas descoberta abaixo e próxima a Come Berenice, próximo a estrela 42 Flamsteed desta constelação. Esta nebulosa ´e circular e conspícua. O Cometa de 1779 foi diretamente comparado esta nebulosa e M. Messier o marcou na carta para este cometa que será publicada no voluma de Academia de 1779. Observada novamente em 13 de abril de 1781. Lembra muito a nebulosa que existe abaixo de Lepus. (M 79)  
            Como sempre Herschel é o primeiro a resolver o aglomerado e sua descrição demonstra bem como os globulares visíveis do hemisfério norte deixam a desejar em relação aos nossos... Ele o descreve como “um dos mais belos objetos que me recordo de ter observado nos céus. O aglomerado se apresenta como uma bola sólida, consistindo de pequenas estrelas, bastante comprimido em uma luz brilhante com um número considerável de estrelas soltas ao seu redor e distintamente visíveis na massa geral”.
            M 53 é um globular bastante distante e se encontra a 63.000 anos luz de nós bem como do centro galáctico. Um membro didático da chamada população o halo. É um grande globular com uma massa de 750.000 sóis e espalhando-se por 230 anos luz de espaço. Nele habita um pulsar com um período de 33 milissegundos descoberto pelo famoso radio telescópio de Arecibo (aquele enorme...). estudos indicam que este orbita uma outra estrela a cada 256 dias e possui ao menos 1 bilhão de anos.


            Localizar M 53 não é difícil. Bem próximo a Alpha Coma (Diadem) a navegação até ele é fácil e três estrelas facilmente percebidas no campo são faróis bem evidentes.

            Realizei cerca de 10 exposições de 30 segundos e o Deep Sky Stacker selecionou 7 apenas. Acrescentei 6 dark frames a formula e o resultado final foi processado no PixInSight. A captura (1600 iso) acabou apresentando muito ruído....

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Ngc 6352, Dunlop e Algumas Hipóteses.de Evolução Galáctica


              

           Ngc 6352 é uma descoberta original de Dunlop. E é uma das poucas entradas do catálogo organizado pelo “Astrônomo Cavalheiro de Parammata” que se provou real e que escapou a John Herschel em seu gigantesco levantamento de nebulosas dedicado aos céus austrais realizado entre 1834-38. Dunlop foi o segundo grande explorador do céu austral. Seu catalogo supera em muito o trabalho anteriormente realizado por Lacaille no século anterior. O mais incrível é que este foi realizado de forma totalmente independente e sem nenhum suporte de academias ou observatórios. E em um espaço de 6 meses no ano de 1826.  É o astrônomo “amador” mais bem-sucedido de todos os tempos. Um verdadeiro herói.

                A sua entrada de numero 417 foi posteriormente incluída no trabalho de Bayer e acrescido no New General Catalog (1888) com o numero 6352. Quase um século mais tarde foi apresentado como a entrada 81 da lista observacional criada por Sir Patrick Moore (C 81).

                Habitando bem ao sul e tendo escapado de John Herschel este belo e interessante aglomerado não foi descrito por nenhum dos chamados autores clássicos (Smith, Webb, Olcott e Cia. Ltda).   Dunlop deixa esta breve e bastante precisa descrição: “Uma nebulosa bastante fraca, de um formato arredondado irregular ligeiramente ramificada, facilmente resolvida em estrelas com uma leve concentração em direção ao centro.”

                Bayer (que nunca deve ter observado este de fato) nos fala no Ngc apenas o seguinte: “Aglomerado (não nébula), bem fraco, grande.”
                Habitando a constelação de Ara ele não é sequer descrito, detalhadamente, por Burnham em seu “Celestial Handbook”. É sempre esquecido em detrimento de Ngc 6397 que é mais brilhante e candidato a ser o globular mais próximo da terra.
                Ele é finalmente descrito por O´Meara em seu “The Caldwell Objects” de uma forma que não me parece fazer jus ao mesmo. Provavelmente devido a sua posição extremamente austral para um habitante das Ilhas do Havaí. Ele nos fala de (com 72X de aumento) “um terrivelmente suave brilho “no qual com tempo e atenção começa a revelar uma barra destacada de luz a sudoeste do principal globo leitoso. Segue dizendo que todo o corpo central do aglomerado é cercado por um suave brilho. A imagem é incomodamente assimétrica e que esta assimetria se acentua mais e mais conforme se observa este detalhadamente. Fala em alças ... Seu desenho do aglomerado deixa claro que sua observação deste foi modesta. Uma raridade...
                Observei Ngc 6352 em uma noite extremamente favorável de Lumiar debaixo de um céu Bortle 3 (rural). Com a Lua nove e este já alto no céu achei o aglomerado bem evidente mesmo pela buscadora. Não grande mais de nebulosidade evidente. É um aglomerado XI na escala Shapley. Ou seja, pouquíssimo concentrado. Mas em uma noite temática (observei diversos aglomerados globulares frouxos) este não foi exatamente difícil. Comparado ao alvo anterior na noite (Ngc 5897- O Aglomerado Fantasma) este é evidente, grande e se resolve bastante. Na verdade, acho este bem mais acessível e fácil que diversos dos Messier difíceis (M 71 é um alvo bem mais difícil...). resolvi muitas estrelas com visão periférica e achei obvia a barra descrita por O´Meara com 60X de aumento. Com 120 X ele é ainda mais “estrelado”.
2 drizzle 
                Ngc 6352 é um aglomerado de disco e com alta metalicidade. Por isto mesmo um alvo de grande interesse cosmológico. Globulares se distinguem em duas populações bem características. Os chamados globulares do disco e os globulares do halo. Os do Disco possuem, em geral, uma metalicidade maior que os de halo. Um típico globular do halo possui 1/100 de Ferro (em relação ao hidrogênio) que o nosso sol. Já um globular de disco esta relação cai para 1/50. Desta forma aglomerados como 6352 formam uma espécie de elo perdido entre globulares de halo e antigos abertos como M 67.
                Uma hipótese é algo que não é, mas que fazemos de conta que é, para ver como seria se ela fosse.
 Um paper do Astrophysical Journal de 1995 utilizando dados do Hubble Space Telescope  revelou que que Ngc é extremamente semelhante ao protótipo globular de disco Tuc 47. Teriam estes idades semelhantes (14,5 bilhões de anos?) e metalicidade bem próxima. Desta forma os globulares de disco seriam mais velhos que a população do halo. Isto contraria o amplamente aceito conceito de os globulares de halo são mais antigos que os do disco. Se isso for verdade (a hipótese) os globulares de disco se formaram juntamente com o restante do disco galáctico enquanto os globulares do Halo se formaram a partir da canibalização de galáxias satélites. A descoberta da galáxia esferoidal de Sagitário em 1994 parece ter entusiasmado muito o meio acadêmico. Esta galáxia parece estar passando por um processo de destruição por forças de  maré e depositando seu sistema de globulares e estrelas no halo de nossa galáxia. Atualmente é mais aceito um modelo hibrido com uma diversidade maior de cenários e que parece muito mais sustentável e realista.
             Hubble sempre associou a desenvolvimento da cosmologia a evolução da tecnologia. E assim o foi. Após o estudo de 1995 o HST passou por uma missão de reparo e um estudo realizado por Faria e Feltzing e publicado no Observed HR Diagrams and Stellar Evolution, ASP Conference Proceedings, Vol. 274 já em 2005 revelou uma idade de “modestos” 12,6 Bilhões de anos para Ngc 6352 e outros diversos globulares de disco antes considerados mais anciões. A técnica utilizada é bastante interessante, mas foge ao escopo do Nuncius Australis. O paper em questão pode ser acessado em http://adsabs.harvard.edu/full/2002ASPC..274..373F .  E assim caminha a humanidade e a ciência ...
               Localizar Ngc 6352 é relativamente fácil a partir de Alpha Ara. Em céus escuros este irá comparecer como um tênue esfuminho em uma buscadora 10X50 mm e é bem evidente com um binóculo 15X70 mm. Em céus menos generosos é mais difícil mesmo ao telescópio.
                Com poucas exposições de 30 segundos e ISSO 1600 este revela bastante detalhes. Sua assimetria é bem evidente e um de seus traços mais característicos.  O equipamento utilizado foi uma Canon T3+Newton 150 mm f8+ HEQ 5 Pro. O processamento foi realizado no DSS + PixInsight+ Photoshop.
                Ngc 6352 é uma descoberta original de Dunlop. E é uma das poucas entradas do catálogo organizado pelo “Astrônomo Cavalheiro de Parammata” que se provou real e que escapou a John Herschel em seu gigantesco levantamento de nebulosas dedicado aos céus austrais realizado entre 1834-38. Dunlop foi o segundo grande explorador do céu austral. Seu catalogo supera em muito o trabalho anteriormente realizado por Lacaille no século anterior. O mais incrível é que este foi realizado de forma totalmente independente e sem nenhum suporte de academias ou observatórios. E em um espaço de 6 meses no ano de 1826.  É o astrônomo “amador” mais bem-sucedido de todos os tempos. Um verdadeiro herói.
                À sua entrada de numero 417 foi posteriormente incluída no trabalho de Bayer e incluído no New General Catalog (1888) com o numero 6352 e quase um século mais tarde foi apresentado como a entrada 81 da lista observacional criada por Sir Patrick Moore (C 81).
                Habitando bem ao sul e tendo escapado de John Herschel este belo e interessante aglomerado não foi descrito por nenhum dos chamados autores clássicos (Smith, Webb, Olcott e Cia. Ltda).   Dunlop deixa estar breve e bastante precisa descrição: “Uma nebulosa bastante fraca, de um formato arredondado irregular ligeiramente ramificada, facilmente resolvida em estrelas com uma leve concentração em direção ao centro.”
                Bayer (que nunca deve ter observado este de fato) nos fala no Ngc apenas o seguinte: “Aglomerado (não nébula), bem fraco, grande.”
                Habitando a constelação de Ara ele não é sequer descrito, detalhadamente, por Burnham em seu “Celestial Handbook”. É sempre esquecido em detrimento de Ngc 6397 que é mais brilhante e candidato a ser o globular mais próximo da terra.
           Ele é finalmente descrito por O´Meara em seu “The Caldwell Objects” de uma forma que não me parece fazer jus ao mesmo. Provavelmente devido a sua posição extremamente austral para um habitante das Ilhas do Havaí. Ele nos fala de (com 72X de aumento) “um terrivelmente suave brilho “no qual com tempo e atenção começa a revelar uma barra destacada de luz a sudoeste do principal globo leitoso. Segue dizendo que todo o corpo central do aglomerado é cercado por um suave brilho. A imagem é incomodamente assimétrica e que esta assimetria se acentua mais e mais conforme se observa este detalhadamente. Fala em alças ...
              
        

          

              



segunda-feira, 3 de setembro de 2018

IC 4756: O Aglomerado dos Muitos Nomes


            IC 4756 é um aglomerado aberto com muitos apelidos. Até hoje haviam três registrados. Creio que agora possam ser quatro...
            O enorme aglomerado aberto é conhecido como Graff 1, O Aglomerado Tweedledee e O Aglomerado Jardim Secreto. Foi descoberto através de uma placa fotográfica em 1908 pelo astrônomo de Harvard Solon Bailey enquanto analisava fotos realizadas com uma lente Cook de 25 mm f13 na Estação de Harvard em Arequipa.
            Foi redescoberto em 1922 pelo astrônomo alemão Kasimir Graff. Durante muito tempo diversas fontes o consideraram entes distintos no universo. Não eram e o aglomerado acabou levando o nome de Graff que o descobriu visualmente. Já seu segundo apelido, Tweedledee é dado por O´Meara em seu “Hidden Secrets”. Este o reúne a seu vizinho Ngc 6633 nas entradas 92 e 93 de seu livro. E batiza IC 4756 como Tweedledee e seu vizinho como Tweedledoo. Estes são dois pequenos e gordinhos pugilistas gêmeos que são encontrados por Alice no quarto capítulo de “Alice através do Espelho” de Lewis Carrol.  Desde então o nome dos gêmeos se tornou sinônimo de quaisquer duas pessoas, lugares ou coisa que justifiquem uma comparação.
            Já o terceiro apelido demandou mais pesquisa e dedução para se chegar a sua origem e o trabalho definitivamente remonta mais a Conan Doyle do que a Lewis Carrol. Seu autor foi certamente um inglês. The Secret Garden é um clássico da literatura inglesa. É um dos mais suaves livros que já li embora aborde questões muito espinhosas, especialmente para o publico a que é, em geral, indicado. Um Livro infantil que aborda negligência e abandono de seus “heróis”.  Observar IC 4756 é quase como interpretar da forma correta o texto de France Hodgson Burnet. É como entrar no jardim Secreto (um dos muitos dentro da mansão Craven) e fazer uma pausa no dia (ou na noite) e se impregnar na magia que é sempre percebida por Collin (uma das crianças...) e aproveitar a natureza e poder refletir sobre verdades simples, mas que por isto mesmo não são obvias.  Sabendo isto minhas apostas são que Patrick Moore seja o padrinho de batismo de nosso aglomerado. Era inglês, certamente leu “Jardim Secreto” (nenhum inglês de seu tempo sairia da escola sem ter o lido. Afinal na Inglaterra não é como aqui onde crianças terminam o ginásio sem sequer terem lido ‘” O Gênio do Crime”). Porque este não inclui este no Catalogo Caldwell é um mistério para algum Sherlock de plantão...


4X 30 seg 1600 ISO 

            IC 4756 é um aglomerado enorme, cobrindo quase 10 de firmamento. E que habita, como no livro, sobre um jardim rico e maltratado. No caso campos estelares da via láctea. Ele é feito sob medida para minha ocular de 40 mm que quase o abarca na integra e revela seus encantos que não são poucos. É um daqueles grande e antigos abertos que remetem a M 44 e cia LTDA. com cerca de 1 bilhão de anos ele é de fato antigo para um aberto. E pouco denso deve habitar uma tênue faixa onde esses agrupamentos ainda resistem as intempéries e se mantem no limite da coesão como entes físicos.
            Este conjunto da obra nos ajuda a entender como este DSO passou desapercebido pelos observadores clássicos do século XIX. O faz um Jardim Secreto... Ainda que IC 4756, com magnitude ao redor de 4, seja percebido a olho nu ele é visto contra o esplendor e brilho da via láctea. E com sua enorme área ele simplesmente era grande demais para os estreitos campos dos telescópios destes pioneiros. Como eu disse, ele é feito para minha ocular 40 mm ou meu 15X70. Com a 26 mm demanda um certo passeio para ser coberto na integra e sem ter visto a floresta antes as arvores talvez passem desapercebidas.

            Localizar IC 4576 é fácil. Em locais de céu escuro basta localizar dois esfuminhos óbvios (o outro será Ngc 6633) no meio do caminho entre Theta Serpens Cauda, uma bela dupla amarelo limão siciliano que vai se resolver na buscadora, e um par de estrela de brilho próximo, 71 e 72 Ophiuchi. As duas últimas estrelas representavam a ponta do chifre da finada constelação de Touro de Poniatovii.
            O aglomerado é uma grata surpresa e agora possuindo um quarto apelido: “O Aglomerado dos Muitos Nomes”. Mas confesso que “O Jardim Secreto” será sempre meu favorito. Recomendo a observação e a leitura... 

            As fotos não fazem justiça a beleza deste. O sensor da Canon  T3  montada no Newton ( 150 mm f8) não cobre toda a área e como disse este   aglomerado é um bom momento para se entrar em um jardim secreto e fazer uma pausa no dia (ou na noite) e se impregnar de magia e perceber a natureza. É um alvo visual por excelência.

quinta-feira, 9 de agosto de 2018

M 27: A Nebulosa do Haltere ,Deep Sky Stacker, PixInsight e os Delírios de Rosse.

                  

                  M 27 tem duas curiosidades honrosas em seu currículo. Foi a primeira nebulosa planetária a ser descoberta. E é o ultimo DSO apresentando no enciclopédico “Burnham Celestial Handbook”. Ainda que quando descoberta não existisse ainda sequer o termo nebulosa planetária. E quanto a segunda curiosidade não há nenhuma razão astronômica para tal. O livro é organizado em ordem alfabética e com M 27 residindo em Vulpecula (raposa) é desnecessária qualquer explicação.
                Messier a registra em 12 de julho, 1764. “Nébula sem estrelas descoberta em Vulpécula (Raposa) entre suas duas patas dianteiras e muito próxima a estrela de 5a magnitude Flamsteed 14 nesta mesma constelação. Pode ser vista claramente com um refletor simples de três e meio pés. Apresenta um formato oval e sem estrelas. M. Messier marcou sua posição na carta do cometa de 1779, que vai ser publicada no volume da academia para aquele ano. Observada novamente em 31 de janeiro de 1781.”
                É interessante perceber que Messier, muitas vezes, não observou mais que uma vez diversas das entradas de seu catalogo. Ele sempre destaca objetos que ele observou mais de uma vez. Parece querer deixar claro que são objetos a não serem observados. Nebulosas que estão no céu apenas para serem impostores de cometas...  
                Mas, ao contrário de Messier, Herschel julga sua exploração e registro matéria fundamental. Ele é o próximo a colocar os olhos nela e embora não a identifique como uma nebulosa planetária é ele o autor do verbete... Ele julgou que M 27 “... um estrato duplo de estrelas de grande extensão. Um deles voltados para nós”. Seu filho John é que lhe dá o apelido pela qual é chamada. A Nebulosa do Haltere.   Numa longa, completa e algo confusa descrição:
                “Uma nébula com o formato de haltere... com um formato elíptico completado por tênue luz. Posição de um eixo de simetria através de dos centros de duas massas principais 30o a 60o. O diâmetro da elipse de luz preenche um espaço quase igual ao dos fios (7´ou 8´). Não resolvível. Mas vejo 4 estrelas...”   Em observação posterior John Herschel a descreve assim: “com um formato semelhante a uma ampulheta, preenche um formato oval com uma nebulosidade muito menos densa. A massa central pode ser comparada com uma vertebra ou um haltere. A cabeça sul é mais densa que a norte.”
                Lorde Rosse a observou devotadamente e chegou a conclusões que não poderiam estar mais equivocadas.  O nobre irlandês , o clima inclemente de Parsontown e o  maior telescópio de seu tempo nos deixaram uma ode ao relativismo histórico e  um motivo para não se construir  observatórios  no Mar do Norte e adjacências: “  É necessária uma noite extremamente especial e um grande aumento tolerável , e então, percebe-se que consiste de inumeráveis estrelas misturadas com nebulosidade; e então quando se vira o olho do telescópio para a Via láctea , a semelhança  é tão impressionante que é impossível não se sentir uma forte convicção  de que a nebulosidade em ambas vem da mesma causa.”    Pelo menos ele não percebeu uma estrutura em forma de espiral em M 27. Rosse, que graças ao Leviatã de Parsontown (o maior telescópio de seu tempo), descobriu a estrutura espiral de várias galáxias e deu um passo no entendimento destas estruturas. É provavelmente seu maior legado. Mas, já mais para o fim, começou a perceber espirais em tudo que observava. Estando o padrão lá ou não... Coisa semelhante acontece com místicos ao descobrirem Fibonacci ao lerem “O Código da Vinci”. Na verdade, J.E. Gore disse ter percebido indícios de estrutura espiral na nebulosa em fotos feitas por Schaeberle...
                Smith nos fala de forma entusiástica (de M 27) “um magnifico e singular objeto um daqueles esplendidos enigmas que são propostos por Deus.”
                Hoje sabemos que M 27 é “uma das gigantes da classe das planetárias e de grande importância na teoria destas estruturas. É a segunda nebulosa planetária mais estudada (atrás de M 57) e com um tamanho aparente muito maior. Se encontra muito mais próxima com valores encontrados na literatura que vão de 500 anos luz até 1300. Um valor de 850 é presente em diversas fontes...
                Nebulosas planetárias são um suspiro na vida de estrelas com massas próximas ao nosso sol.  A estrela que alimenta M 27 possui uma modesta magnitude de 14. E é uma parada dura para se observar visualmente. Os observadores clássicos, mesmo com telescópios grandes, como Herschel, Rosse e Trouvelot nunca a registraram em seus desenhos.  Trata-se de um tipo espectral muito quente (O 7, 85.000 K).
                Com cerca de 8 anos luz de diâmetro M 27 é, de fato, uma planetária muito grande.  A parte externa da nebulosa se expande em uma taxa de 2,3´´ ao século. E a interior a mais de 6´´. em alguns séculos ela terá se expendido tanto que seu brilho de superfície terá se “extinguido”. Um breve suspiro cósmico.  Calcula-se que o show tenha se iniciado a cerca de 9.000 anos. No amanhecer da história. Mas não há registros no alvorecer das civilizações de algum evento cósmico marcante nesta região do céu.   
13 frames 30 seg ISO 1600+ 8 darks+8 flats - Stacking e 2 drizzle  no DSS e stretch no PI e PS- 

                M 27 é um espetáculo para possuidores de quase qualquer equipamento ótico. É claramente percebida (em locais de céus escuros) com uma buscadora de 9X50. Com um Newton (um refletor de 150 mm f8) ela se apresenta pálida no Rio de janeiro e é espetacular sob céus rurais (Bortle 3). Chocante mesmo. É gigantesca para uma planetária e um dos poucos objetos Messier que apresenta extrema semelhança no visual e no fotográfico. Embora sua cor esverdeada seja muito discreta visualmente. Suporta grandes ampliações. Mas apesar de perceber algumas estrelas envolvidas, (como John Herschel) além da óbvia estrela no centro, que não é sequer relacionada a nebulosa, não percebo nem sinal da estrela central. Esta parece escapar até de O´Meara (que é biônico).  
               Ao garimpar o mapa para a navegação no Stellarium para este post descobri que , para meu desgosto (sou muito afeito as tradições...), inventaram dois novos apelidos para a Nebulosa do Haltere. Nebulosa Diabolo ( só quem já teve espingarda de chumbinho e já fez coisas extremamente incorretas vai associar uma coisa a outra...) e Nebulosa Apple Core ( que em uma tradução bem  livre seria Nebulosa da Maçã Comida).

                Localizar M 27 em centros urbanos pode ser difícil já que Vulpecula é uma constelação discreta e a nebulosa não comparece na buscadora. Geralmente é mais fácil iniciar o “hoop’ a partir de Gamma Sagitta e chegar até 17 Flamsteed. Mas com algum dever de casa e um bom mapa é bem factível.
                Perto de Gamma habita também M 71. Outro alvo difícil 

debaixo de céus urbanos. Ambos fáceis e espetaculares em céus escuros...
           Agora vamos falar um pouco de astrofotografia. As fotos aqui apresentadas são fruto do Stacking de 20 exposições de 30 segundos (subs) com ISSO 1600. Foram empilhadas no DSS e esticadas no PixInsight 1.8 e mais alguma cosmética feita no Photoshop. Ou seja, seguiram a rota normal... Tanto na foto que abre o post como na qual foi efetuada o processo de 2 drizzle  foram aceitas apenas 13 subs pelo DSS.
   Ando tentando realizar o stacking utilizando também o PixInsight. Mas apesar de ser um programa caro o DSS tem me saído mais eficiente e pratico para este processo. No Pix é necessário realizar diversos procedimentos como calibrar os flats frames. Bem como os subs e mais outros truques. E quando utilizo o script automatizado deste o resultado tem sido pífio.  
     
Desastre Binário versão PixInsight. Resultado do empilhamento no Pix depois de um tour de force . Calibrar Lights , flats , criar master dark e flat, aplicar correções cosméticas nos lights e etc. para só depois integrar os lights. Um longo caminho para isto... Melhor empilhar no DSS e esticar no Pix.  
   
      Curiosamente ,acho que apenas para o stacking, o DSS, embora freeware, é mais eficiente e muito mais “user friendly”. Acho que vou insistir mais algumas vezes no empilhamento no Pix. Mas algo me diz que acabarei voltando para o DSS na maior parte das vezes. No Pix depois de muitos valores e menus ele acabou por aceitar 13 fotos também...      Mas o resultado foi estranhíssimo. Nada em comum com o "desastres binários que a vezes ocorrem no DSS . Mas nada fidedigno.                                                                                

segunda-feira, 30 de julho de 2018

Vega: Uma Estrela, um Eclipse , Camões e outras Histórias


           


          O mês de julho foi extremamente “astronômico”. Seguindo a Lei de Broken tive bastante tempo para observar. A lei de Broken nos diz que quanto mais tempo tenho para observar menos dinheiro eu terei no mês seguinte... 
            Mas há males que vem para bem. E assim tive tempo para visitar os escuros céus de Lumiar, viajar com meu filho e ainda em julho estar de volta ao Rio para um dia que deverá ser lembrado por um bom tempo na comunidade astronômica. 27 de julho de 2018 foi uma imensa coincidência de Adams. Estas são coincidências astronômicas que parecem ser relacionadas a leis fundamentais do universo embora sejam apenas coincidências. Mas dia 27 conspirou para nos dar esta impressão. Foi o mais longo eclipse lunar que teremos no século, a melhor oposição de Marte até 2035, uma “Noite de Gilgamesh” (quando todos os planetas conhecidos desde a  Antiguidade são visíveis) e Selenelion (quando o sol e a lua eclipsada simultaneamente são visíveis de lados opostos do céu).  Adams deve estar se deliciando. Curiosamente nenhuma seita ou um desses novos profetas da Internet não declarou que o mundo iria acabar. Até onde sei não houve nenhum suicídio coletivo em local algum do planeta nem viram o Jim Jones andando por Ipanema. Embora o Arpoador tenha ficado lotado de gente para ver o evento...





            Evidentemente o eclipse teve muita repercussão nas mídias em geral. Eclipses e cometas parecem ser eventos que atraem multidões. E, lógico, se falou muito a respeito.
            Em um dos grupos de astronomia que participo um post foi bastante “quente”. Um membro de uma organização astronômica disse que nunca mais usariam nas publicações desta mesma as expressões “Lua de Sangue” ( que se refere a coloração que a lua adquire durante um eclipse), “Super Lua” (que é como passou-se a chamar a lua cheia quando esta acontece no momento de maior proximidade coma a terra. Ou seja, no perigeu.) e nem o termo “Lua Azul” (que é a segunda lua cheia em um mesmo mês).
A tão comentada "Lua de Sangue". Uma liberdade poética válida e bastante adequada. 
            Enquanto um lado defendia que essa seria a coisa mais certa a fazer outro defendia que tais expressões tornariam os eventos mais atrativos ao povo leigo e serviriam ao propósito da “Divulgação científica”. Rapidamente as coisas caminharam para gente se ofendendo. Eu achei muita celeuma por uma questão mais de semântica que de astronomia ou divulgação. A meu ver o uso destas expressões ou dos termos “apropriados” dá no mesmo. Já foi o tempo que defenderia que não se deve usar de liberdades poéticas na descrição de fenômenos astronômicos ou científicos. Hoje acho que muito pelo contrário. Mas não vou brigar por causa disso... Mas acho que não se deve confundir alhos com bugalhos. Jornais e outras mídias não tem que apresentar o rigor cientifico de um paper. Ou se assim pensa então assine e só leia a Nature ou o "Astrophysical Journal"
          Novamente há males que vem para bem. Devido a tal polemica, a viagem a Lumiar e a uma foto que fiz de Vega (Alpha Lyrae) acabei por descobrir que havia cometido grave injustiça em um post aqui no Nuncius Australis. Tinha falado que praticamente não existe literatura sobre astronomia na Língua de Camões. É uma meia verdade. Quando fui buscar informações sobre Vega recorri ao mais que clássico e obrigatório “Star Names; Their Lore and Meaning” do Hinckley (este nunca traduzido) e me deparo com o texto do livro (já depois da introdução) sendo aberto com uma citação do “Lusíadas” ...  E não era o manjado e também de cunho fortemente geográfico:                   
“ As armas e os barões assinalados
Que da Ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca dantes navegados
Passaram ainda além da Taprobana”

            No belíssimo livro de Hinckley, datado de 1899 e ainda atual (a edição de 1963 foi “bem” atualizada), o primeiro capítulo trata do “Zodíaco Solar”. Pensei logo na discussão na web e na implicação que poderia ter um livro sério falar em zodíaco. Mas como acho que a palheta do cientista assim como a do artista deve crescer fui em frente.
“Bem ves como se veste & faz ornado
Co largo cinto douro, que estrellantes
Animais doze traz afigurados,
Aposentos de Phebo limitados.”
 E tendo achado mais fácil entender os versos de Camões que apresentam o zodíaco em inglês que na sua forma original segui mais  em frente e descobri porque não deveria crucificar alguém por falar em zodíaco, signos, luas sangrentas ou a pouca astronomia em português.


Existe um lindo trabalho realizado por Luciano Pereira da Silva e que reúne diversos artigos deste que foram publicados entre 1913 e 1915 na Revista da Universidade de Coimbra e intitulado “Astronomia nos Lusíadas” onde ele nos explica não só o significado do texto de Camões como o atualiza do século XVI para o XX. E como comentário aos versos de Camões este primeiro apresenta um texto do século XV explicando porque o zodíaco e os signos não remontam diretamente a astrologia como maioria dos “divulgadores” tende a imaginar. Mantive a grafia original ....
“Os Phylosophos antigos considerarão no ceo hum circulo maior, que têm de largo 12. graus, por meio do qual, passa húa linha, q o divide em comprido, e deixa a cada parte seis graus: ao circulo chamarão Zodíaco, e a linha dizerão linha eclíptica.
Dividese este circulo em 12 partes iguais, a q chamão signos, & cada hum delles toma o nome da figura do animal, de q está cõposto, como as estrelas do 8. ceo, ou firmamento, o pinião & semelhão, e porque Zodion em Grego tãto quer dizer como animal, porisso se chamou o circulo Zodíaco, como se dixeramos circulo de animaes: cada signo destes, se diuidem 3o. partes, a que chamão graus, e multiplicando 12. por 30 resultão 360. que sam os em que se diuide todo o ceo, e qualquer circulo».
(Repertório dos Tempos de André Avellar , Lisboa, 1485)
          Agora de volta a estrofe que abre o “Star Names: Their Lore and Meaning” e na “tradução” de Luciano Pereira.  O largo cinto de ouro, com que o firmamento se veste e faz ornado, é o zodíaco, que o cinge com a profusa pregaria de ouro das constelações zodiacais. Os doze animais estrelantes afigurados são as doze constelações do zodíaco, cujas estrelas, pela sua disposição, pintam e semelham a figura de animais. Os aposentos de Phebo (o Deus-Sol romano e não o sabonete) limitados são os doze signos, da extensão de 3o graus cada um, em que se divide o zodíaco, e a que se deram os mesmos nomes das constelações, os quais o sol vai sucessivamente percorrendo no seu movimento anual ao longo da eclíptica, demorando-se em cada um deles um espaço de tempo de cerca d e um mês.
            Hinckley segue o livro nos contando que inicialmente, lá pelas bandas do Eufrates, o zodíaco consistia de penas seis constelações..., Mas isto não vem ao caso agora.
            Na obra de Camões que embora poética a astronomia se faz muito mais presente que na maioria dos trabalhos ditos de divulgação em tempos de Twitter e Facebook. E mesmo habitando um mundo Ptolomaico sua apresentação dos céus austrais é muito melhor que da maioria dos alunos de física ou geografia que conheço.
            Calma que estamos quase chegando a Vega... 
            Camões termina a estância 88 do poema apresentando outras constelações fora do zodíaco.
“Olha por outras partes a pintura,
Que as estrellas fulgentes vão fazendo.
Olha a carreta, atenta a Cinosura,
Andromeda, & seu pay & o drago horrêdo:
Vè de Gassiopea a fermosura,
E do Orionte o gesto turbulento,
Olha o Cisne morrendo que sospira,
A Lebre, os Cães, a Nao, & a doce Lira.”
            Não posso deixar de lembrar de Aratus que descreve os céus ainda bem antes de Cristo... E provavelmente em um mundo heliocêntrico.
            Antes de chegarmos a doce Lira e a Vega gostaria de dar um aparte final sobre a necessidade de não permitir que a ciência tenha que ser totalmente fechada no jargão acadêmico. Mesmo em trabalhos científicos há espaço para poesia. Basta ler Humboldt, Kant, Smith e Sagan e muitos outros. E não conheço nenhum “divulgador” ou cientista com obra sequer comparável a estes.  E sou um grande fã de Lacaille. Praticamente um sócio aqui do Nuncius Australis. Mas não posso deixar de imaginar o que pensaria Camões.  O poeta comove-se evocando as lendas poéticas que deram nome às constelações, desde a Carreta (Ursa maior) e a Cinosura (Ursa menor) até à doce Lira de Orfeu e de Vega. O que ele não podia prever era que, passados dois séculos, novas constelações viriam intrometer-se naquelas, às quais  Lacaille, havia de dar, com secura científica, os nomes de: Machina pneumática, Forno chimico, Esquadro e Régua, Reticulo Romboidal e etc...  E ainda iria destripar a Nao dos Argonautas.

            Vega é a quinta estrela mais brilhante do firmamento; e a segunda para os residentes da maior parte do hemisfério norte. Já foi considerada mais brilhante que Arcturus, mas com o advento da fotometria perdeu seu título.
            É a estrela mais brilhante do conhecido “Triangulo de Inverno”, asterismo formado por Vega, Altair e Deneb. São os faróis para aqueles que navegam pelo hemisfério norte do céu durante o inverno austral. A data de sua oposição (culminação a meia noite) é ao redor de 1 de julho. Seu nome deriva do árabe Al Nasr al Waki. A tradução não é exatamente fácil. Mas seria algo como a “Águia Mergulhando” ou “A Águia que Ataca”. Forma alternativas conhecidas são Wega, Waghi, Vagieh, Veja e Veka. Estes aparecem em cartas datadas da Idade Média onde a estrela e sua constelação aparece representada como uma águia, abutre ou falcão frequentemente apresentados com uma harpa no bico ou em suas garras.  Plinio parece criar o termo “Estrela da Harpa” e é uma referencia a Lira de sete cordas de Hermes, que posteriormente chegou as mãos de Orfeu, o mais musical dos Argonautas. Mas, como nos conta Burnham, é também associada a uma verdadeira galáxia de deuses e heróis que incluem Apolo, Mercúrio, o Rei Arthur, o Davi bíblico (mais associado a funda do que a Harpa no meu conhecimento...) e o Poeta grego Arion. Felizmente nunca usaram de tão nobre estrela para rasgar seda para Nero.
            Hafiz da Pérsia se refere a esta (não é claro se a constelação ou a estrela) como a Lira de Zurah. Já os árabes, lá pelo início da Idade Média, nos deixam textos que falam de Al Lura a qual se tornou Allore e desta forma chegou as Tabuas Afonsinas. E através destas a Camões. As Tábuas afonsinas são tábuas astronómicas elaboradas por iniciativa de Afonso X, o Sábio, no século XIII.

As tábuas contêm as posições exatas dos corpos celestes em Toledo desde 1º de janeiro de 1252, ano da coroação do rei Afonso, e consignam o movimento dos respectivos corpos celestes sobre a eclíptica.
           
O objetivo destas tábuas era proporcionar um esquema de uso prático para calcular a posição do Sol, da Lua e dos planetas de acordo com o sistema de Ptolomeu. A teoria de referência previa movimentos segundo epiciclos e os seus deferentes cujos parâmetros para cada corpo celeste eram as dimensões relativas dos epiciclos, o período de revolução sobre um epiciclo, o do epiciclo sobre o deferente e assim sucessivamente. Durante muito tempo foram a base de todas as efemérides publicadas na Península Ibérica. Apesar de ptolomaicas ainda eram utilizadas devido a precisão destas em 1553 e mesmo depois.   
De Allore para “A Lira de Orfeu” não é muito difícil de se caminhar. Agora daí a entender a relação da poesia de Camões com o famoso bom português do Maranhão é preciso confiar muito no lado direito do cérebro e perceber que onomatopeias (bem, não exatamente. Mas já que estamos falando de imaginação...)  são diferentes. Nas terras de Sarney o homossexual passivo masculino é chamado popularmente e mesmo em tempos “politicamente corretos” de forma quase carinhosa como “Qualhira”; Reza a lenda que no centro histórico de São Luís existia um homossexual bastante bem resolvido que tocava lira todos os dias na praça, então toda vez que o Rapaz com a lira se aproximava o povo falava: -La vem ele "com a lira"! De “Com a Lira" para “qualhira" não demorou muito...
            E antes de apresentarmos a física e a tal da “astronomia de verdade e da divulgação científica para valer” que habita em Vega e ainda no terreno das lendas, poesia e de uma “astronomia do cotidiano” não podemos deixar de contar a mais bela das histórias associadas a Vega.  Esta tem um papel fundamental em uma das poucas lendas estelares que chegou até nós da Antiga china. É uma fabula. “O Pastor e a Tecelã”.   Sua origem é desconhecida, mas é mencionada no Shih Ching, “O Livro dos Sons. Não poderia ser mais apropriado para uma lenda envolvendo a mais musical das constelações. É uma antologia poética datada da Dinastia Chou. Cerca de 600 A.C. Um clássico da época de Confúcio, o qual pode ter tido um dedo na obra.  Em tempos de um congresso com uma bancada evangélica crescente e de um obscurantismo preocupante atingindo e todos os níveis da vida nacional não poderia ser mais apropriado lembrar que o Shih Ching foi um dos livros que teve sua destruição ordenada pelo megalomaníaco e egótico imperador Shih Huang Ti (221 -210 AC). Este esperava ser lembrado como o construtor da Grande Muralha. Terminou conhecido como “Ele que Queimou Livros”.
Na lenda Vega é a tecelã. E Altair o pastor.  Os dois jovens amantes, perdidos em seu “namorico amoroso”, negligenciaram suas obrigações para com o céu e agora estão eternamente separados pelo Rio Celestial. Este é a impenetrável Via Láctea. Mas na China
(apesar de Imperadores loucos e do Mao Tsé Tung) sempre há espaço para compaixão. E os amantes pode se ver uma vez por ano, na sétima noite da sétima lua, quando uma ponte de Gralhas temporariamente cruza o Rio.
            Não é preciso ser muito esperto para imaginar que há uma migração durante este período.  Astronomia também tem intima relação com os ciclos da terra. E toda ciência é humana. Mesmo que envolva cálculo....
            Só mais um folclore astronômico ... Veja é conhecida como a ‘Arc Light “dos céus. Atualmente muito raras e difíceis de se achar as “Arcs” são uma das luzes mais bonitas que conheço para iluminar cenas de cinema. Antes dos HMI´s era muito divertido ver um eletricista regulando a distancia entre os carvões para garantir uma temperatura de cor igual em vários refletores. Mais ainda encostar os carvões e os afastar “no tempo” para manter as coisas andando e a luz acender. Uma arte que está se perdendo. Possuo diversos assistentes que nunca viram uma “Arc-light”. Acho que no Rio não há mais nenhuma. E em São Paulo duas. E conseguir o carvão deve ser bem difícil...
            Vega é uma estrela da classe A0 var. Possui um décimo da idade do Sol e 2.1X mais massa que este. E assim terá também um décimo do tempo de vida deste.  Foi a primeira estrela depois do sol a ser fotografada. Isto aconteceu em 17 de julho de 1850. Um daguerreotipo realizado por William Bond e John Adams Whipple no Observatório da Universidade de Harvard. É uma das estrelas mais estudadas.
            Foi também a primeira estrela a ter seu espectro registrado por Henry Draper em 1872 e foi ele também que registrou o que viriam a ser as linhas de absorção matrizes da atual Serie de Balmer.  
            Foi também a primeira estrela a ter seu paralaxe medido. Friedrich G.  W. von Struve. Ele chegou a um valor de 0.125segundos de arco. Bessel foi cético a respeito deste valor e quando Bessel publicou o valor de paralaxe de 0.314 para o sistema estelar de 61 Cygni Struve revisou seu valor para quase o dobro, desta forma a maioria dos autores credita a Bessel a primeira medida de paralaxe. Mas o valor atual de 0.129 para Vega obtido pelo satélite Hiparchos demonstra a precisão e o pioneirismo de Struve.  Não chega a ser um exemplo do efeito Dunning-Kruger já que Bessel era um cientista sério. Mas ...

            Vega domina os céus no hemisfério norte durante o verão. Já para nós austrais viaja relativamente baixa no horizonte norte. Com o seu polo apontando para nós chegou-se a acreditar que esta não possuía uma corona. Mas apesar de baixas emissões em raio x é mais provável que sua corona apresente um buraco polar.  
            Novamente uma primeira. Foi a primeira estrela a ter um disco de poeira registrado. E possível sistema planetário em formação. Vega está com cerca de 500 milhões de anos.; ainda na sequência principal transforma hidrogênio em Hélio através de um ciclo carbono-nitrogênio-oxigênio. Uma forma que o processo que a fusão nuclear pode apresentar. Demanda temperaturas de 15 milhões de kelvin. Mais quente que o sol que realiza sua fusão de forma mais eficiente através de uma cadeia próton-próton. Isto é astrofísica a sério e recomendo que quem quiser de fato compreender estes processos procure por livros bem mais sérios que as pretensões deste blog. Um bom começo e um livro que adoro (embora você achar textos ainda mais específicos e detalhados.) é “The Complex Life of the Star Clusters” de David Stevenson. Não chega nem a doer... Ou cace pelo "An Introduction to Stellar Astrophysics" do Francis Leblanc. 


             Esta vai tornar-se em um futuro ainda distante um gigante vermelha do tipo M. E terminar sua vida como uma anã branca. Possivelmente com uma nebulosa planetária em seu entorno para substituir a M 57 que a essa altura já não mais se apresentará na região.  
M 57 é uma nebulosa planetária localizada em Lyra. É uma forma de vida muito breve em termis astronomicos. Estrelas com massa próxima ao sol passarão alguns milhares de anos com esta (ou aproximada) fisionomia. Vega também...

            Veja foi também a “estrela do Ano Novo” para os antigos polinésios. Servia como referencia para se iniciar os trabalhos no solo para o plantio. Posteriormente a função foi assumida pelas Plêiades.


            “Last but not least” Vega foi a algo como a estrela polar de12.000 A.C (ficou a um pouco menos de 5o do polo) e graças a precessão de equinócios estará lá de novo em no ano de 13.770. Supondo que não haja uma bula papal mudando o calendário ou mesmo algo mais drástico... Parece também que dragões sempre foram confinados a o Artico. Nunca comeram pinguins... (A constelação que reside dentro do Circulo feito pelo polo a o longo de sua viagem de 25.770 anos se chama Draco. O Dragão)
Agora falando sério: nunca esqueça que visitando Vega você vai estar muito perto do sistema composto por Épsilon Lyrae.  Acho que não irei mais me referir a ele como a Dupla -Dupla.
           

sexta-feira, 27 de julho de 2018

Ngc 5897: O Aglomerado Fantasma


                Projetos observacionais são um excelente método para manter a paixão pela astronomia. Possuo vários e transcorrem simultaneamente. Meu primeiro projeto foi observar (e posteriormente fotografar) todo o Catalogo Lacaille. Seguindo o rumo normal das coisas observei todo o Catalogo Messier (alguns abertos em Cassiopéia aguardam uma viagem senão ao hemisfério norte pelo menos mais ao norte...). Desta mesma forma me dedico a uma versão “adaptada” dos “400 de Herschel”. Estes são os 400 DSO´s mais interessantes e acessíveis entre os descobertos por William Herschel. De um total de mais de 2000. E assim ele é uma significativa parte do mais ambicioso e irreal “Projeto Tudo que Existe”. Neste planejo registrar todo o catalogo Ngc.... 
            Existem diversos guias observacionais que abordam os “400 de Herschel” e mais um pouco. Possuo alguns deles. Um bem completo e que seleciona 615 membros como “Showpieces” é o do James Mullaney “The Herschel Objects and How to Observe Them”.  Habita também minha biblioteca o hercúleo “The Complete Guide to the Herschel Objects” de Mark Bratton. Neste estão todos os objetos catalogados por William e sua irmã Caroline.  Como o catalogo Herschel não foi “perfeito” há controvérsias sobre o real numero de descobertas realizadas pela dupla. Este numero varia entre 2511 “nebulosas” e 2435.  Entradas repetidas e erros de plotagem são responsáveis por este pequeno desvio. Bratton confirmou 2435 entradas.
            E por fim vem meu favorito e amigável “Herschel 400 Observing Guide” de Steve O´Meara. Neste o autor apresenta um projeto factível e muito bem realizado para que se observem “Os 400 de Herschel” em um ano. Uma semana por mês. Quase um vídeo de ginástica da Jane Fonda para astrônomos amadores.


            Foi com ele que acabei chegando até Ngc 5897. É o único globular planejado por O´Meara para o que deveria ser a primeira noite de observação no mês de julho.  O aglomerado é, possivelmente, o único DSO digno de nota localizado na constelação de Libra. Todos os outros são pequenas e tímidas galáxias abaixo da magnitude 12.  É um aglomerado muito pouco concentrado (XI na escala Shapley) localizado próximo a Iota Librae.  Aglomerado pode ser visto, em noites sem lua e em céus escuros como um brilho amorfo e bem grande.  Mesmo telescópios bem modestos (e meu bino 15x70) o apresentarão sob boas condições. Com pequenas ampliações 5897 é um perfeito “cometa sem cauda”. Não espere resolver nenhuma estrela neste com nada menor que 150 mm. E mesmo assim somente com visão periférica e discretas. Seu apelido de “O Globular Fantasma” é muito apropriado. O´Meara o batizou assim por este lembrar uma imagem fantasmagórica e apagada do também frouxo, porém mais “resolvível” M 55 em Sagitário.
            O observei em 16 de julho de 2018 debaixo de um céu Bortle 3. Com 46X de aumento ele é um tênue brilho bem arredondando e com as bordas mais brilhantes bem como  o centro. Sem estrelas.  Com 70X e visão periféricas algumas poucas estrelas “flicam”, mas se apagam ao se fixar a visão. Porém é obvio e não demanda grandes exercícios para ser percebido.
            Ngc 5897 é um globular da população do halo bem distante. Mais de 40.000 anos luz.  Foi descoberto por Herschel em 10 de março, 1785.  Ele o descreve como “...Um muito próximo, concentrado aglomerado de estrelas. 8´ ou 9´ de diâmetro, extremamente rico, de um formato arredondado irregular. As estrelas são tão pequenas que são difíceis de serem vistas. E tão acumulado no centro que parece nebuloso (H VI-19 = VI-8).  
            Percebe-se que a impressão de Herschel é bem diferente da minha e que este é, possivelmente, uma das entradas repetidas no catalogo de Herschel.
           

            Herschel sempre buscou conectar a aparência visual das nebulosas e aglomerados com algum tipo de realidade física ou material. Ele considerou 5897 uma descoberta importante por ser “uma das graduações possíveis de conglomerados estrelares palpáveis ... em direção a nébulas distantes”.  Ele acreditava (a cosmologia de Herschel só se mantém “viva” devido ao valor histórico) que toda as “nebulosas” estavam em processo de formação e apenas vistas de diferentes distancias e que o grau de concentração das nebulosas eram diretamente relacionadas ao seu grau de evolução; sistemas muito evoluídos teriam um alto grau de concentração e vice-versa.  E assim considerou 5897 um sistema com uma idade e distancia intermediarias.  Ele considerava (inicialmente) este uma espécie de elo entre aglomerados como as Plêiades, Hiades, Presépio e a Nebulosa de Orion. Achava este que M 42 era composta de estrelas muito agregadas e extremamente distante. Alguns anos depois e citando Ngc 5897 ele já fala que “que a nebulosidade sobre uma estrela pode não ser de natureza estelar”.

            Herschel nos fala ainda que o objeto “é maravilhoso, mas difícil”. Smith no “The Bedford Catalogue” nos conta (ele observou todo o Catalogo com um refrator acromático de 150 mm) que é “um grande e concentrado aglomerado de mínimas estrelas ... É tênue e pálido mas dependendo da finesse da noite , a estabilidade da contemplação e a excelência do  telescópio este poderá ser tão bem visto como pode ser um objeto tão baixo (no horizonte) e tão terrivelmente distante.”

            Ngc 5897 possui cerca de 135 anos luz de tamanho físico. Isto o faz bem maior que M 55 (mas que se encontra bem mais perto...). Possui uma considerável população de Blue Stragglers (estrelas que aparentam ser bem mais jovens do que deveriam e são fruto, provavelmente, de colisões ou interações entre estrelas-membro). É um globular extremamente pobre em metais (1/50 a 1/79 de ferro por unidade de Hidrogênio do que o Sol) e provavelmente formado em um estágio embrionário da evolução galáctica. Durante o colapso da nuvem proto-galactica.  Ngc 5897 é um contemporâneo de M 3 e formou-se a cerca de 13 bilhões de anos. Estudos realizados em 1992 por Ata Sarajedini dizem que este é mais velho que M 3 até 2 bilhões de anos. Quase um daqueles paradoxos de objetos mais velhos que o universo. Parece ser evidente que alguns ajustes são necessários; E garantem a importância cosmológica do “Aglomerado Fantasma”.    

           A foto que abre o post é resultado de uma captura de 10 exposições de 30 segundos ISO 1600 com uma Canon T3 montada em foco direto sobre um refletor de 150 mm f8. Foram utilizados 4 dark frmes. O processo de stacking foi realizado no Deep Sky Stacker e o "stretching" feito no PixInsight e no Photoshop. A montagem utilizada foi uma HEQ 5 pro.