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domingo, 18 de fevereiro de 2018

A Grande Nuvem de Magalhães

             



         A Grande Nuvem de Magalhães é um dos maiores espetáculos dos céus. Ela cobre uma região de aproximadamente 5o largura por 7o de comprimento. Mesmo com uma ocular wide field isto vai representar mais de 40 campos telescópicos. Meu binóculo 15X70 não abarca toda a estrutura e o 10X50 quase consegue... Ao observa-la percebe-se nuvens sobre nuvens de luz, com áreas brilhantes e linhas escuras. Tudo isto temperado com aglomerados de estrelas. Só mesmo vendo para entender...




                Para observar a Grande Nuvem, de verdade, céus escuros são fundamentais e condição sine-qua-non. Especialmente porque a mesma merece horas de contemplação a olho nu antes de qualquer coisa. Habitando uma linha ao sul da linha que liga Canopus a Achernar e estando você suficientemente ao sul do equador ela será muito fácil de se localizar. Como disse, em locais escuros! Em áreas de poluição luminosa a magica não acontece. Você poderá perceber estruturas na Nuvem com auxílio ótico, mas este é um caso onde “não se pode ver a floresta apenas pelas arvores”.

Esta é uma unica exposição de 30 seg. ASA 800. Semelhante ao que você verá a olho nú em um céu  bom. 

                Me lembro da primeira vez que a percebi à vera. Há anos atrás, próximo à Vila de Trindade, no litoral Sul (que por razões geográficas fica a oeste do estado...)  do Rio de Janeiro. Faz par com a Pequena Nuvem, mas é mais clara e bem maior... Imagino o espanto dos primeiros navegadores europeus ao se depararem com tamanha maravilha.
                A Grande Nuvem de Magalhães é uma galáxia satélite de nossa Via Láctea. Em tese é terceira galáxia mais próxima, mas como as outras duas estão em processo de destruição, sendo já digeridas por nossa galáxia, em um futuro “próximo” ela será a nossa vizinha de porta.  As outra duas são a Galáxia Esferoidal de Sagitário e a Galáxia Anã de Cão Maior (esta talvez nem seja uma galáxia, mas apenas um “adensamento estelar”). Situada a cerca de 140.000 anos luz esta “logo ali” em escala cósmica. É pequena para uma galáxia contendo talvez 10 bilhões de estrelas.
                A GNM (Grande Nuvem de Magalhães) é o protótipo de uma classe de galáxias. Trata-se de uma espiral “Magellanica” (Magellanic Spiral Galaxies. A tradução é uma ciência em evolução e a astronomia raramente é feita em português...)  e estas são (comumente) galáxias anãs classificadas como do tipo Sm (SAm, SBm, SABm). São galáxias espirais com um único braço e nossa convidada é do tipo SBm. Apenas por observar-se sua forma é fácil suspeitar que seja aceito que esta foi um dia uma espiral barrada que acabou sendo deformada pela aproximação da Via Láctea. A barra central é uma das mais chamativas estruturas na obra. Há autores que consideram a GNM como uma galáxia irregular.  A Classificação de espirais magellanicas foi introduzida por Gerard de Vacoleurs quando este reestruturou a “Classificação Hubble” de galáxias.
28X 30 seg Lente 50 mm -Miaplacidus é a estrela brilhante acima e a direita quase fora do quadro.Abaixo a direita e também quase fora do quadro se percebe o Aglomerado aberto Ngc 2516.

                A GNM é conhecida há milhares de anos pelos habitantes do hemisfério sul. Os nativos do pacifico sul se referiam as Nuvens de Magalhães (GNM e a PNM) como as
Mosaico realizado com 4 empilhamentos utilizando 3 Drizzle no DSS. A foto que abre o post foi submetida a 2 Drizzle não sendo necessário fazer um mosaico neste caso...

Nuvens superior e Inferior de Neblina. Já os aborígenes australianos que se referiam a Via Láctea como o caminho por onde os espíritos viajavam pelo do céu consideravam as nuvens como dois homens negros que esporadicamente vinham a terra e sufocavam pessoas enquanto estas dormiam.  Al Sufi, em sua descrição das constelações celestes feita no séc. X, fala de um estranho objeto. Al Bakr, “O Boi Branco”, o qual é hoje ligado a GNM. Antigos navegadores deixaram diversas referencias as Nuvens. Elas foram chamadas de “As Nuvens do Cabo” durante quase toda a idade média. O Nome de Magalhães é ligado a elas pela clássica e precisa narração de Pigafetta da primeira circum-navegação capitaneada por Fernão de Magalhães (1524): “O Polo antártico não é demarcado por estrelas como o ártico. Para localiza-lo existem diversas pequenas estrelas aglomeradas, na forma de duas nuvens um pouco separadas uma da outra, e um pouco tênues. Agora no meio destas estão duas estrelas não muito grandes, não muito brilhantes e elas se movem levemente. E essas duas estrelas estão no Polo Antártico.”  Mesmo que a definição do polo mostre algumas de suas limitações, sua interpretação de que as Nuvens de Magalhães consistem de estrelas é digna de nota.
                A GNM é por si só um DSO. Um dos poucos claramente visível a olho nu. Por tratar-se de uma galáxia e uma das mais próximas ela é um celeiro de DSO´s. Ou seja ao observa-la com um telescópio você pode ter o direito de ver seres abissais. DSO´s extragalácticos...
                O primeiro a mapear “a fundo” a GNM foi James Dunlop. Tendo sido precedido por Lacaille que localizou seu DSO mais brilhante, a Nebulosa da Tarântula (Ngc 2070). Dunlop em seu pioneiro levantamento de nebulosas, realizado a partir de Paramatta na Austrália, dedicou muitas de suas noites de observação a região da GNM.  Quase todos os objetos descobertos por Dunlop na GNM foram re-observados por John Herschel.  Com a exceção da entrada D 175 de seu catalogo (hoje em dia identificada como Ngc 1929,34,35,36 e 37 no New General Catalog organizado por Dreyer). Herschel em seu “Results of Astronomical Observations Made During the Year 1834, 5,6,7,8 at the Cape of Good Hope”  localiza 919 objetos na GNM. Com as 5 entradas de Dunlop que lhe escaparam chegamos a 924 objetos. Com descobertas mais recentes (especialmente Resquícios de Supernovas) o numero de DSO´s se aproxima de 1000  na GNM.
                O caráter único das Nuvens (lembrem-se que na época as Nuvens eram consideradas pedaços destacados da Via Láctea) foi reconhecido por John Herschel e seu levantamento leva Abbe em 1867 nos dizer:
1-      Os aglomerados são membros da Via Láctea e estão mais próximas a nós do que as estrelas mais tênues padrões.   
2-      A Nebulosa resolvida e não resolvida repousa geralmente fora da Via Láctea a qual é essencialmente estelar.
3-      O universo visível é composto de sistemas, os quais a Via Láctea, as duas Nubeculae (GNM e PNM) e a Nebulosa são indivíduos e que são eles mesmos compostos de estrelas (tanto simples como múltiplas e aglomerados) e de corpos gasosos de formato tanto regular como irregular.
O estudo das nuvens evolui junto com a evolução da nossa compreensão pelo universo.
O estudo da mesma segue seu rumo e o próximo grande passo é dado com a construção da estação do Harvard College Observatoire em Arequipa (Peru). O Mais significante resultado destes primeiros estudos  foi a descoberta por Henrietta Leavitt da Relação Período-Luminosidade da variáveis Cefeídas.
Shapley, em 1956, seleciona as seguintes “grandes contribuições astronômicas associadas ao estudo das Nuvens de Magalhães”:
1-      A descoberta de centena de gigantes Cefeídas variáveis em ambas as nuvens.
2-      A medição da velocidade radial positiva par as linhas de emissão associadas a objetos dentro das nuvens, sugerindo sua independência da Via Láctea
3-      Descoberta e desenvolvimento da relação período luminosidade das Cefeídas clássicas
4-      Detecção por radio telescópios de Hidrogênio neutro dentro e ao redor das nuvens e medição de sua distribuição.
5-      Considerado menos importante, mas ainda assim digno de nota foi a dedução de que 30 Dourados (Ngc 2070, A Nebulosa da Tarântula) é 100 vezes mais radiante que o globular mais brilhante conhecido em qualquer lugar e é intrinsecamente mais luminosa que muitas das mais próximas galáxias anãs com seu milhão ou mais de estrelas.
Com milhares de DSO´s em seu corpo é impraticável ao amador observar todos eles e em sua maioria estes serão quando muito estelares para os telescópios amadores.
As fotos aqui apresentadas são resultado de uma captura realizada em céus Bortle 3. Mais precisamente 28 exposições (4 em 800 ISO e 24 em 1600 ISO feitas com uma Canon T3 em RAW) de 30 segundos. Foram aplicados 12 dark frames e o empilhamento destas foi realizado no Deep Sky Stacker e posteriormente as fotos foram aprimoradas no Photoshop e no FITS. A lente utilizada foi um a Pentax 50 mm f1.7 @ 3.5. 
O anexo



Tarantula


Mesmo com este modesto set up a quantidade de DSO´s que se apresenta é grande. Abaixo indico os alvos mais chamativos e indicados aos possuidores de telescópios amadores pequenos. Em tese todos viáveis com telescópios de 70 mm em céus abaixo de ideal. A lista concorda com as recomendações de Consolmagno no obrigatório “Turn Left at Orion”. Neste ele cria uma classificação para DSO´s. Esta vai de 1 telescópio até 5 telescópios. Apenas as Nuvens de Magalhães e  M42 ganham 5 telescópios.
O mosaico 3 Drizzle anotado. Recomendo que baixe e de um zoom  na imagem em seu visualizador de fotos.

São este:
  1-    Ngc 1711- Um compacto aglomerado de estrelas
  2-    Ngc 1714- Uma nebulosa de emissão
  3-    Ngc 1743- Um aglomerado de nebulosas de emissão
  4-    Ngc 1818- Um aglomerado de estrelas
  5-    Ngc 1835- Um globular
  6-    Ngc 1850- Um aglomerado com nebulosidade
  7-    Ngc 1866- Um “jovem” aglomerado globular
  8-    Ngc 1910- Um aberto contendo a variável S Doratis
  9-    Ngc 1935/36 Um aberto nebuloso
 10-   Ngc 1966-Uma nebulosa de emissão
 11-   Ngc 1978- Um globular
 12-   Ngc 1984- Aberto
 13-   2018 – Nebulosa de emissão 
 14-   Ngc 2027- Aberto
 15-   Ngc 2032- Nebulosa Gasosa
 16-   Ngc 2048- Nebulosa de Emissão
 17-   Ngc 2058-Diversos aglomerados abertos 
 18-   Ngc 2070 – A nebulosa da Tarântula 
 19-   Ngc 2080- Nebulosa Gasosa
 20-   Ngc 2100- Aberto
 21-   Ngc 2134- Um aglomerado compacto
 22-   Ngc 2164- Aberto

Ngc 2044 - Este não esta na lista, mas faz parte do Projeto "Tudo que Existe"
3 Drizzle 

A GNM pode ser um programa para anos de observação. Para aquele que desejarem se aprofundar mais sobre as Nuvens um trabalho obrigatório é “The Magellanic Clouds” de Bengt E. Westerlund disponível na Cambridge Astrophysics Series. Primeiramente publicado em 1997 já vai completando 21 anos. Continua atual.
Ngc 2070

     
Ngc 2100
   Este é ainda um post em construção. O registro da GNM é um trabalho para mais que uma rápida sessão de fotos. Espero poder registrar a Nuvem com minha 300 mm ED bem como utilizando o Newton em todas as entradas realizadas por Dunlop. Para a observação visual da maior parte dos DSO´s citados é bom utilizar o maior aumento possível. A maioria deles só começa a revelar sua verdadeira natureza com pelo menos 120 X de aumento e muitos podem ser ainda assim discretos. Céus escuros são fundamentais para alguns e bom para todos. Ngc 2070 e Ngc 2100 são os alvos mais fáceis na minha opinião. No em torno da Tarântula estão muito dos DSO´s citados . Cuidado!!!  Ela costuma roubar a cena.  E não deixe de caçar os segredos da GNM a olho nu em um céu generoso. Você vai se surpreender com o que pode ver.


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