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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

M 67 : O Barrete Frígio

       


            M 67 é aquele outro aglomerado aberto em Câncer. Dividindo a constelação com M 44,O Aglomerado do Presépio, que é facilmente percebido a olho nu este mais discreto e nem por isto menos belo aglomerado é menos visitado. As apagadas estrelas do caranguejo celestial não facilitam a navegação até o mesmo em locais de poluição luminosa.  E assim M 67 sofre uma daquelas injustiças celestiais comuns a vizinhos de grandes e brilhantes aglomerados.
            O Aglomerado foi descoberto por Johann Gottfried Köhler em Dresden, Alemanha, antes de 1779. “ Uma nebulosa bastante proeminente com um formato alongado”. Como seu registro nunca foi publicado Messier redescobre M 67 de forma independente em 6 de abril de 1780. Este o resolve parcialmente. Um aglomerado de pequenas estrelas com nebulosidade”. Ambas as descrições demonstram como o equipamento destes pioneiros era modesto. Já observei M 67 com o “Galileo” (um refrator de 70 mm) e o resolvi totalmente. Nada de nebulosidade envolvida.
            William Herschel é o primeiro a resolve-lo. Ele o descreve assim:
            “Um lindo e muito comprimido aglomerado de estrelas, facilmente observável com qualquer bom telescópio e onde observei mais de 200 estrelas no campo de meu grande refletor, com um aumento de 157X”.
            Leo Brenner (um controverso e muito “criativo” observador alemão do final do século XIX e início do sec. XX. Autor do primeiro Guia observacional de Céu Profundo em língua alemã (1902)) também deixa claro como eram simples os telescópios utilizados por seus descobridores: “ Na buscadora aparenta ser um retalho nebuloso, mas já com pequenos aumentos é reconhecido como um aglomerado estelar e esplendido objeto. Cercado por um semicírculo de estrelas mais brilhantes repousam 230 estrelas de magnitude 9 a 12. ”
            O Admiral Smyth é que associa M 67 ao formato que hoje leva a seu apelido: O Barrete Frígio. Quase um século depois O ‘Meara nos conta que muitos discordam da semelhança apresentada por Smyth. Ele mesmo acha que o aglomerado lembra um Cobra-Rei pronta para o bote e destaca que Flamarion acredita que o aglomerado recorda a uma espiga de milho e que Luginbuhl e Skiff criam sua própria metáfora e associam o mesmo a “uma arvore de fibras óticas”.
Brasão da Cidade do Rio 

            Somente para esclarecer: O chapéu frígio recorda uma mitra (aquele chapéu de bispo) e é também conhecido como o Barrete de Liberdade por ter sido utilizado pelos revolucionários franceses. O mesmo está presente no brasão da cidade do Rio de Janeiro.
            M 67 é um dos mais antigos aglomerados abertos conhecidos e estudo recente (Michaud e colegas, 2004) estima uma idade de 3.7 bilhões de anos o que é quase tão antigo quanto o sistema solar. O mesmo estudo acredita que ele manterá sua dinâmica de aglomerado por mais 5 bilhões de anos.  Muitos poucos aglomerados abertos atingem idades sequer próximas a isto. Ngc 188 é o único aglomerado aberto conhecido que (sem controvérsias...) é mais antigo que nosso convidado. A razão desta longevidade esta associada a sua riqueza e a sua grande distância do plano e do centro galáctico; o que evita interações gravitacionais destrutivas.
             A idade de M 67 nos permite ver neste um grande número de estrelas altamente desenvolvidas. É rico em gigantes vermelhas, com pelo menos 20 confirmadas. Possui também um grande número de anãs brancas (150). Foram descobertas também 23 “Blue stragglers” que são mais típicas em aglomerados globulares mais densos e antigos que os tradicionais aglomerados galácticos.
            Localizada a 3000 anos luz de nós pode-se derivar um tamanho de 21 anos luz para M 67.
            Observar M 67 em locais escuros não chega a ser difícil. O´Meara nos diz que em uma noite perfeita ele é visível a olho nu. Eu duvido.... Com meu binóculo 10X50 mm em céus Bortle 6 ele é perceptível como uma pequena mancha enevoada. Com meu 15X70 ele começa a se resolver.  Com o Galileo ele se resolve e conforme aumenta-se o poder de fogo mais estrelas irão comparecer.
            Stoyan nos diz que o equipamento mínimo para resolve-lo é um telescópio de cerca de 60 mm.
            Com o Newton (um refletor de 150 mm f8) consigo perceber várias dezenas de estrelas. Em céus muito escuros podemos checar a uma centena com 120X de aumento. M 67 é um alvo telescópico e nestes é muito mais interessante que seu mais conhecido M 44. Este devido a sua enorme área aparente é melhor observado com binóculos.  

            Para se navegar até M 67 localize Acubens (Alfa Câncer) e navegando rumo a oeste passe por 60 Cnc (fraca e avermelhada). O aglomerado se apresentará discreto na buscadora em locais de poluição luminosa intensa...
            A foto que abre o post é resultado de cerca de 1 dezena de exposições de 30 segundos com ASA 3200. Na verdade foi um aquecimento na noite em que me dediquei a fotografar M 66 e M 65.  Foi utilizado o Newton montado sobre a Mdme. Herschel (uma montagem HEQ 5 pro) e uma câmera Canon T3 sem modificação. Foram feitos uns poucos “dark frames”.  A imagem foi processada no Deep Sky Stacker.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

IC 2395: O Último Objeto Lacaille Perdido

    IC 2395 foi um dos últimos objetos do Catálogo Lacaille que observei. Não por razões técnicas. Apesar de ser um objeto do “Index Catalog” e que isto possa sugerir um alvo mais difícil ele é um DSO bem claro e navegação até o mesmo não chega a ser difícil.  
            Embora hoje em dia o acesso a informação torne o trabalho do pesquisador muito mais fácil do que nos tempos de Dreyer e que observar e registrar fotograficamente o Catalogo Lacaille não seja nem de perto uma tarefa tão árdua como organizar todos os DSO´s conhecidos até 1888 sempre é necessária alguma pesquisa  quando trata-se com documentos referentes ao séc. XVIII. Nem todas as entradas do Catálogo Lacaille são unanimidades e dependendo da fonte consultada podem haver discrepâncias. Para contribuir com a confusão o grande observador austral que se seguiu a Lacaille foi Dunlop. E este não é famoso pela precisão de seus dados.
            Meu primeiro contato com Lacaille se deu através do trabalho de Frommert em seu incrível site associado a SEDS. E neste a entrada Lac III. 3 é colocada em dúvida. Paira uma suspeita se este objeto é um equivoco total ou trata-se do aglomerado aberto vdB-Ha 47 (Catalogo van den Bergh-Hagen).
            Posteriormente e visitando outras fontes (colaborou para minha certeza o trabalho realizado por Stoyan com a colaboração de Binnewies, Friedrich e Schoeder) descobri que Lac III. 3 é, acima de qualquer suspeita, IC 2395.   
            O trabalho de Glen Cozens sobre os três primeiros grandes catálogos de DSO´s austrais também ajudou na conclusão embora em seu trabalho seja dedicado especialmente a Dunlop. E na verdade embora ele nos diga em um momento que Lac III .3 é, possivelmente, vdB-Ha 47 em outro ele associa este a IC 2395. Pela minha pesquisa a entrada 453 do Catalogo Dunlop é o mesmo aglomerado que IC 2395 no Index Catalog elaborado por Dreyer (o Index Catalog é um complemento do New General Catalog [NGC] e foi o primeiro catalogo elaborado já com auxílio da fotografia).
            Lacaille era muito metódico e a posição por ele indicada é extremamente próxima (um erro de 2´) para haver qualquer dúvida na identificação do objeto.  Já Dunlop foi duramente criticado por Herschel por suas anotações descuidadas e pelos grandes erros na localização de seus objetos. Herschel quando explorou os céus austrais localizou apenas 1/3 das entradas do Catálogo Dunlop.  Cozens em seu trabalho faz uma revisão do catalogo e identifica mais de uma centena de objetos além dos revisitados por Herschel. É importante lembrar que Dunlop trabalhava sem nenhum tipo de apoio. Seu trabalho é fundamental e belíssimo.
            Para tornar as coisas mais confusas, mas ao mesmo tempo encerrar a questão, retornei anos depois a página de Frommert para vdB-Ha 47 e descobri que a possibilidade deste e IC 2395 serem o mesmo objeto são enormes... enquanto IC 2395 foi descoberta por Bailey em 1908 vdB-Há 47 foi registrada pelo time van den Bergh- Hagen em 1975. Sua posição é muito próxima e a descrição muito semelhante. Com isto o outrora objeto Lacaille “perdido” e observado pelo Abbé em 17 de fevereiro de 1752 engaveta seu processo de identificação.
            Lacaille é sempre bem sucinto em suas descrições e utilizando minúsculas lunetas não poderia ser mais preciso:
            “Estrela de 6a magnitude conectada a outra por um traço de nebulosidade. ”
Sua descrição me lembra muito o que percebo utilizando uma buscadora de 7X30mm.
            Já Dunlop com seu telescópio de 9 polegadas e de espelho de metal apresenta uma descrição muito semelhante ao que vejo com o “Newton” (um telescópio newtoniano de 150 mm f8):
            “ Um grupo de 10 ou 12 estrelas pequenas e bem brilhantes a sudoeste de 409 Argus (Bode) ”
                Curiosamente IC 2395 , apesar de sua evidente graça, escapou de quase todos os "Guias Observacionais Modernos". Não entrou no Catálogo Caldwell e nem mesmo O´Meara em sua imensa série "Deep Sky Companions" fala nele. Burnham em seu "Celestial Handbook" dá um descrição sumaria da apresentação da constelação de Vela: "Mag. 6; Diam. 10´; Class E; Cerca de 16 estrelas mag. 9".   Uma tremenda injustiça e um excelente motivo para você visitá-lo.
            Sua estrela mais brilhante é de 5.5 a magnitude. Do tipo espectral B5. Em trabalhos mais recentes a idade do aglomerado é estimada em aproximadamente 7 milhões de anos. Em função da fonte esta estimativa varia entre 5 e 16 milhões de anos. De qualquer forma um jovem aglomerado galáctico localizado a 2500 anos luz de nós.
            Em um trabalho desenvolvido por Zoltan Balog, Nick Siegler, G. H. Rieke, L. L. Kiss, James Muzerolle, R. A. Gutermuth, Cameron P. M. Bell, J. Vinko, K. Y. L. Su, E. T. Young e Andras Gaspar e utilizado o Telescópio Spitzer foram identificados mais de 300 membros em IC 2395 e a presença de discos protoplanetários em aproximadamente 10% destes; Sistemas solares em formação. Com o estudo de nosso convidado eles nos contam como o Spitzer ampliou o nosso entendimento na formação destes discos.  Hoje sabemos que a acréscimo de gases em protoestrelas tende a estar cessando em 15 milhões de anos e que os discos primordiais devem estar se dissipando. A esta altura os chamados planetesimais (um projeto de planeta...)  já se formaram e a poeira produzida em suas colisões gera um disco de debris. Este disco regenerado revela indiretamente a presença de corpos planetários que garante a retroalimentação deste processo e nos permite rastrear a evolução de sistemas planetários ao longo de toda a faixa de idades estelares.  

            Localizar IC 2395 em locais escuro não é difícil. O mesmo se revela como uma estrela de 5a magnitude. Ou parta de Regor e seguindo uma corrente de estrelas de 4a e 5a magnitude você chegará a seu destino. Os outros abertos próximos são bem mais discretos que IC 2395 e não há como se enganar. Uma vez na região aproveite para conhecer Ngc 2660. É um interessante aberto com forte concentração central. 
             O aglomerado é bem mais interessante do que pode sugerir a fotografia que abre o post. Esta foi resultado de pouco mais de uma dezena de exposições com 20 segundos de exposição ASA 1600. Porém sofreu muito com a lua quase cheia na ocasião...